20 de agosto de 2011

A Igreja não é neutra.


A classe capitalista sempre diz que a Igreja tem que ser neutra. Para a classe capitalista ser neutro significa apoiar o capitalismo e os partidos políticos que dão sustentação ao capitalismo. Aí já acaba a neutralidade da igreja. A burguesia na igreja sempre fez política e nunca foi neutra, mas exigem do pastor ou da pastora que sejam “neutras” apoiando o projeto deles que é apoiar o capitalismo. A burguesia diz que o pastor ou a pastora fazem política quando estes fazem política de esquerda e não apóia os projetos dos capitalistas. Quando alguém da igreja apóia os projetos da classe trabalhadora (greve ou luta pela terra) a direita vem com a acusação de que tem que mandar este pastor ou pastora embora porque faz política.
Deixa eu contar algo da minha história para mostrar como se faz política partidária na IECLB:
Em junho de 1978 o Conselho Diretor da Igreja me enviou para Cunha Porã. Eu morava na Faculdade de Teologia em São Leopoldo e fui de ônibus para me apresentar ao Conselho Paroquial de Cunha Porã. O ônibus ia de Porto Alegra para Iraí. Cheguei em Iraí pela manhã e duas pessoas da Diretoria da Paróquia (Presidente e Tesoureiro) vieram me buscar para que eu estivesse às 9 horas na reunião do Conselho Paroquial em Cunha Porã. Na viagem no meio da conversa caiu o assunto prefeitura e eu perguntei quem era o prefeito e de que partido, que na época era da ARENA, e aí o presidente me pergunta de que partido eu era. Eu, na minha ingenuidade, respondi que eu era do MDB. Esta resposta ingênua me salvou o couro durante o tempo em que estive em Cunha Porã. Acontece que a diretoria da paróquia de Cunha Porã na época sempre era controlada pelo MDB e a diretoria da comunidade de Cunha Porã era controlada pela ARENA. Coisa, é claro, eu nesta altura não sabia, pois a formação teológica da Faculdade de Teologia sempre foi idealista e não marxista e por isso a gente sai de lá normalmente ingênuo e alienado. É desta teologia “neutra”, que de neutra não tem nada, que a classe dominante precisa; ela precisa de inocentes úteis, de ingênuos, de alienados, de panacas que apóiam o capitalismo não sabendo que o estão fazendo; que apóiam a direita sem ter clareza do que estão fazendo. A gente sai da faculdade não sabendo fazer análise da estrutura e da conjuntura do sistema e nem sabendo fazer análise de conjuntura eclesial. Deste tipo de pastores ingênuos e alienados que a igreja que é controlada pela direita precisa.
Mas voltando ao assunto da paróquia: eu fui escolhido como pastor (porque também não havia outro, pela falta de pastores que havia na época) e esta diretoria da paróquia sempre me respaldou em tudo durante os 5 anos que lá atuei. As pessoas que compunham a diretoria mudaram, mas sempre eram em sua maioria do MDB. Lembrando também da luta do pastor Silvio Meincke nos anos 70 que ajudou a fundar o MDB; que por sua vez viveu em outra época, no tempo do ditador Medici e foi denunciado por membros da diretoria de Cunha Porã ao DOPS como subversivo e era supervisionado pelo Dops permanentemente. Ele conta esta história no seu livro: Horizontes e Raízes, lançado recentemente. Quem o denunciou achava que estava fazendo a melhor coisa do mundo e estava convencido disto. Quem na época era do MDB era tido como subversivo e era uma ameaça ao sistema. Cristãos denunciando seus próprios irmãos ao sistema deste mundo por pregarem o Evangelho do Reino de Deus que sempre aponta para uma nova sociedade não capitalista. Aí é que reside o perigo, neste Evangelho da Cruz de Cristo pregado em oposição ao projeto deste mundo.
Para os mais afoitos em recorrer aos tribunais e outros aparelhos do estado para acusar os que não defendem o sistema deste mundo, criticam o capitalismo e se negam a adorar o deus capital, Paulo diz:
“Quando algum de vocês tem uma queixa contra um irmão na fé, como se atreve a pedir justiça a juízes pagãos, em vez de pedir ao povo de Deus que resolva o caso? Será que vocês não sabem que o povo de Deus julgará o mundo? Então, se vocês vão julgar o mundo, será que não são capazes de julgar essas coisas pequenas? Por acaso vocês não sabem que nós julgaremos até mesmo os anjos? Muito mais, então, devemos julgar as coisas desta vida! Portanto, se surgir alguma questão dessas, será que vocês vão procurar pessoas que são desprezadas na igreja para julgarem esses casos? Que vergonha! Será que entre vocês não existe alguém com bastante sabedoria para resolver uma questão entre irmãos?” I Co 6.1-5. Neste tempo da ditadura muitos pastores eram expulsos das paróquia porque não apoiavam a ditadura militar. No Chile a igreja luterana se dividiu em duas: uma igreja que apoiava o ditador Pinochet e a outra que não apoiava a ditadura militar, que foi uma das mais sangrentas da América Latina. Para esta situação Paulo diz: Que vergonha!
Assim eu, apoiado pelo MDB, no meu tempo que já era o período final da ditadura, pude falar sempre contra a ditadura militar, apoiar a luta contra as barragens, apoiar a luta pela terra (tínhamos dois grupos de sem terra na paróquia que discutiam o tema da luta pela terra e um destes participou da primeira ocupação do MST em 1985), apoiar as greves dos professores, a luta sindical e falava abertamente no programa de rádio da paróquia e nas prédicas contra a ditadura militar. Se a diretoria da paróquia tivesse sido da ARENA eu não teria agüentado dois anos na paróquia.
Havia neutralidade por parte da paróquia de Cunha Porã nesta época? Não havia, como hoje também não há neutralidade da parte de paróquia alguma em lugar nenhum. O pessoal da ARENA gostava de minha atuação? Não gostava, mas não tinham força suficiente para me mandar embora porque o MDB me respaldava. Nunca falamos sobre isto abertamente em reunião de diretoria da paróquia. Era um apoio tácito e automático. “O pastor é um dos nossos”, se dizia. Seu eu tivesse sido da ARENA certamente eu não duraria muito ali, na época. Da mesma forma se eu tivesse sido enviado naquela época para Ibirubá eu não teria durado dois anos lá. Como diz o Pastor Romeu Martini: “Graças a Deus que a igreja me enviou para São Miguel do Oeste no Distrito Uruguai senão talvez hoje eu seria um pelego”. A conjuntura do Distrito Uruguai era favorável à Teologia da Libertação e por isso todos os pastores e pastoras, na época, apoiavam a luta pela terra, a luta contra as barragens, a luta das mulheres agricultoras, participavam da CPT e do CEBI. Era uma postura classista clara: a favor dos oprimidos. Não havia muita clareza teórica sobre a luta de classes e a teoria marxista, mas havia a vontade de apoiar a luta do povo, a luta contra a ditadura militar e havia uma busca por uma pastoral popular de onde surgiu a PPL.
Na época os Concílios Gerais da IECLB aprovavam propostas de trabalho dirigidos à luta popular, como a de 1982 onde me sua mensagem o Concílio diz: “assumir e defender com responsabilidade evangélica as reivindicações dos movimentos sociais, fazendo um trabalho de base com associações de bairros, atingidos por barragens, colonos sem terra, bóias-frias, sindicatos, proteção ambiental, além de inúmeras outras formas de atuação onde o amor de Deus quer se tornar vivo e real entre as pessoas.”
Em muitas paróquias do Distrito Eclesiástico Uruguai o MDB controlava as diretorias das paróquias e de muitas comunidades. Lembrando que o MDB não era um partido comunista, era um partido que apoiava o capitalismo, como o PMDB de hoje ainda faz. Na época apenas lutava contra a Ditadura Militar, que era o seu papel de oposição à ARENA previsto pela Constituição do país.
Assim a Paróquia de Cunha Porã, no meu tempo, não era neutra, era controlada pelo MDB na luta contra a ditadura, assim como esta mesma paróquia também hoje não é neutra na luta de classes que continua existindo na sociedade. Se o/a pastor/a apóia a ideologia dominante da classe que controla a paróquia ele não terá problemas, mas se o/a pastor/a tiver a clara postura de apoiar as lutas da classe trabalhadora e a diretoria da paróquia e o Conselho Paroquial foram apoiadores do capitalismo está feito o rolo: este/a pastor/a vai ter que procurar outro campo de trabalho.
Você é “neutro” se você não denunciar o capitalismo como instrumento que o diabo usa para combater o Reino de Deus. Você é “neutro” se não tocar nas feridas abertas produzidas pelo capitalismo. Você é “neutro” se não denunciar a exploração a que está sujeita a classe trabalhadora. Você é “neutro” se não mostrar as contradições inerentes ao capitalismo e nem mostrar como se dá a luta de classes na sociedade. Aí você não estará fazendo política. Acredite quem quiser! Isto se chama de ideologia da classe dominante. A ideologia tem o papel de esconder a realidade como ela é, de mascarar a realidade. A ideologia tem o papel de esconder que há luta de classes na sociedade, de esconder que existe exploração da classe capitalista sobre a classe trabalhadora e de esconder ainda que o Estado é um aparelho da classe capitalista para defender os seus interesses de classe.
Agora, se você disser como o capitalismo funciona mostrando a forma da luta de classes se desenvolver na realidade do país e também na igreja, disser ainda que o capitalismo é coisa do diabo e que o Evangelho do Reino de Deus sempre aponta para a construção de uma nova sociedade não capitalista, bem, vai preparando a mala, pois aí você estará fazendo política e igreja não pode fazer política. Então: rua! Haja hipocrisia! Mas, assim é.
Como o capitalismo entende a igreja como parte do aparelho ideológico do Estado ela tem que fazer o seu papel de legitimar o capitalismo. O problema é que a Bíblia mostra Deus do outro lado: não ao lado do Estado e da classe que o controla, mas contra ele como diz em Dt 6.21-23, sendo perseguido e morto pelo Estado como subversivo, como diz em Lc 23.1-5. Como processo de cooptação temos nas dependências do Estado pendurado na parede o crucifixo, para legitimar as ações do Estrado, que são: reprimir a classe trabalhadora e perpetuar a exploração da classe trabalhadora pela classe capitalista. Transformou-se o Cristo crucificado como subversivo em legitimador de sua própria morte. Historicamente a Religião (não o Evangelho do Reino de Deus) tem o papel de legitimar a sociedade de classes, por isso César era tido como deus. Significa o Estado é sagrado e suas leis também. Significa que a sociedade que dá sustentação ao Estado também é sagrada. Sagrada é a opressão, a exploração e a espoliação das classes subalternas. Por isso está tão forte a teologia da ressurreição da alma na igreja. A alma ressuscita e o corpo fica. Significa o corpo é embalagem descartável a ser usado pelo sistema opressivo. A alma é imortal, mas o corpo é mortal, por isso cassetete democrático nele para que trabalhe sem reclamar. Esta teologia herética perpassa a igreja há dois mil anos, quando a Bíblia diz exatamente o contrário. A Bíblia diz que o corpo ressuscita e que corpo e alma são uma coisa só, são inseparáveis, portanto o corpo é tão sagrado que ressuscita e por isso os cristãos não admitem sob hipótese alguma qualquer exploração e opressão sobre o corpo, a vida, de ninguém.
Vamos assumir a nossa postura classista na igreja e a postura classista da igreja, pois Javé é um Deus da classe camponesa no AT e se torna da classe camponesa no NT em Jesus de Nazaré e morre como morrem os camponeses subversivos em sua luta contra a sociedade de classes.
Para a Igreja cristã só há um caminho: morrer (João 12.24: “Em verdade, em verdade vos digo: se o grão de trigo, caindo na terra, não morrer, fica ele só; mas, se morrer, produz muito fruto”) para ressurgir nova: sendo o espaço dos oprimidos na luta contra a opressão de classe em direção à nova sociedade não capitalista, portanto não classista, que Jesus chama de Reino de Deus. Aí nós temos um problema: a igreja não quer saber da cruz, assim como os cristãos não querem saber da cruz. Por isso muitas igrejas pentecostais não têm mais a cruz como símbolo e por isso em muitas igrejas da IECLB também não encontraremos um crucifixo, apenas a cruz vazia que fala somente do Cristo glorificado. Por incrível que pareça não é fácil trazer um crucifixo para dentro de muitas igrejas da IECLB. É a teologia da glória, como diz Lutero. Só que não dá para falar da Páscoa sem a Sexta-feira Santa, não dá para separar a cruz da ressurreição e nem a ressurreição da cruz!
Deus é um problema, ele não se adapta ao sistema deste mundo e não se adapta aos interesses dos opressores e por isso ele tem que ser manipulado para se adaptar, para se ajustar aos nossos desejos egoístas que dão sustentação ao sistema de dominação capitalista. A classe capitalista através da igreja diz como deve ser a fé em Deus e como se deve crer em Deus. A classe capitalista diz como se deve ler a Bíblia e como se deve interpretá-la para que nada fira os seus interesses que são o lucro obtido a qualquer custo: superexploração da classe trabalhadora e superexploração, até a exaustão, dos recursos naturais do Planeta Terra. A fé em Jesus Cristo tem que legitimar isto, mesmo que a Bíblia diga o contrário!
Deus nunca foi e nem continua sendo neutro diante da luta de classes que há na sociedade, ele sempre se põe do lado dos oprimidos (Ex 3) contra os opressores. Para podermos ver a ação de Deus na história de hoje temos que aprender a ler corretamente a realidade fazendo análise da estrutura do capitalismo e análise de conjuntura da realidade social e eclesial a partir das Sagradas Escrituras. Para podermos fazer isto temos que descolar da ideologia da classe dominante e aprender a pensar como classe trabalhadora e aprender a olhar o mundo a partir da cruz de Cristo. Coloquemo-nos no alto da cruz e aí veremos como o mundo é e de que lado Deus está. Se entrarmos na luta em favor e com a classe trabalhadora automaticamente seremos colocados no alto da cruz e aí veremos sempre mais claro onde Deus está na luta de classes para acabar com a sociedade de classes na construção do Reino de Deus.
Em todo caso: a Igreja de Jesus Cristo não é neutra! Nem o diabo é neutro! A proclamada necessidade de neutralidade da igreja é obra do diabo para perpetuar a opressão, que Jesus foi enviado para acabar com ela. A igreja cristã não foi neutra no período da Conquista, que foi um espaço do capitalismo fazer a sua acumulação primitiva via saque, escravidão, pirataria e monopólio comercial; nem no período Colonial, onde os missionários vinham na frente dos comerciantes e exércitos de ocupação; e nem é neutra hoje na fase do capitalismo imperialista capitaneado pelo setor financeiro, onde o capitalismo continua se reproduzindo, como sempre, se necessário for pela guerra, pelo saque, pelo exército de ocupação. Quanto mais ingênuos os cristãos forem, quanto mais ingênuos os/as pastores/as forem em sua formação teológica melhor para o capitalismo, que é o mesmo que dizer: melhor para o diabo! Por isso: nada de formação teológica classista para os membros e pastores, pois a igreja tem que continuar sendo neutra, significa estar ao lado da opressão capitalista. Caso contrário os capitalistas vão ficar em maus lençóis, pois aparecerão não mais como benfeitores, mas como opressores, e os conflitos de classe que há na sociedade e na igreja ficarão visíveis sem que o véu da ideologia os possa encobrir e consequentemente daí surgirá uma nova sociedade sem classes sociais e igualitária e uma nova igreja.

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