2 de agosto de 2011

Metodologia da Bíblia

Nossa fé em Deus está embasada em fatos e acontecimentos históricos (intervenção direta de Javé na história para mudar a vida dos oprimidos através da luta contra os opressores sempre em direção da construção de uma nova sociedade fraterna e igualitária que Jesus Cristo chama de Reino de Deus) e não em ritos religiosos relacionados com a natureza. Em nossos cultos celebramos a nossa fé em Javé em cima e a partir de fatos históricos e não meros ritos religiosos ancorados em tradições ou costumes humanos ou em ocorrências da natureza. Celebramos os nossos cultos a partir de liturgias que partem das lutas dos povos oprimidos por justiça e vida plena (Rm 14.17) sabendo-nos guiados por Jesus Cristo em direção ao Reino de Deus. A única pergunta bastante incômoda que nos vem é: nossas comunidades travam lutas e celebram estas lutas contra o capitalismo, guiadas pela fé em Jesus Cristo, a partir, em favor e ao lado dos oprimidos contra os opressores com o intuito de participar, motivadas e embasadas pelo batismo, da construção desta nova sociedade não capitalista que Jesus Cristo chama de Reino de Deus entendendo que o próprio Jesus Cristo está nos oprimidos (Mt 25.45)? Se a nossa celebração não for a partir desta prática de luta e neste embasamento teológico será este um culto alienante e legitimador do sistema capitalista opressor?

Segundo a confissão de fé do povo de Israel em Dt 6.20-23 Javé interveio na história dos camponeses sem terra escravos hebreus no Egito libertando-os da escravidão e conduzindo-os pelo deserto para depois guiá-los na luta pela posse da terra na Palestina passando pela tomada do poder político das cidades-estado, que oprimiam a classe camponesa via tributos, para depois mudar o Modo de Produção Tributário para Tribal. Israel confessa a sua fé em Javé, o adora como seu Deus e celebra culto à Ele por causa de sua intervenção na história (Êx 3) a favor dos camponeses sem terra escravos no Egito (Dt 8.11-19; Js 24.1-25) e automaticamente se colocando conta o Estado e o Faraó que legitimavam o Modo de Produção Tributário, composto pela classe camponesa e pela classe que controlava o Estado, para que a desigualdade e a opressão continuassem indefinidamente. Dentro do contexto da luta de classes existente no Egito – a classe dos camponeses escravos versus a classe do Estado – Deus fez uma opção de classe segundo o relato do Êxodo a favor da classe camponesa (Êx 3.10: “para que tires o meu povo, os filhos de Israel, do Egito” – Faraó e a classe do Estado não fazem parte do povo de Javé) e também o fez no relato do Natal, em que se fez pessoa na classe camponesa palestina em Jesus de Nazaré (Mt 2.13-15,19-23 – o Deus tornado pessoa em Jesus de Nazaré é uma ameaça ao Estado por causa de sua opção de classe. A luta de classes já está evidente no relato do Natal e por isso não é uma historinha romântica qualquer para crianças apenas.). José não era um latifundiário e Maria não era uma princesa, mas eram camponeses sem terra galileus empobrecidos: tekton – trabalhadores braçais (Mt 13.55-56). Assim, Deus se encarnou na classe camponesa com todas as conseqüências, pois foi morto como o eram os camponeses que não se sujeitavam às ordens do Estado (1 Macabeus 2.29-38). Deus não é neutro no contexto da luta de classes que há na sociedade, nem ontem e nem hoje; assim como a igreja também não é neutra no contexto da luta de classes que há na sociedade e dentro da própria igreja. Historicamente a igreja normalmente traiu o Evangelho do Reino de Deus, pois normalmente se colocou e ainda se coloca ao lado dos opressores legitimando o sistema econômico dominante espoliador da classe dominada, hoje a classe trabalhadora, dizendo-se neutra.

Segundo a confissão de fé dos cristãos em I Co 15.3-6 Cristo morreu na cruz pelos nossos pecados, foi sepultado e ressuscitou no terceiro dia e foi visto pelos discípulos e por muitos outros. Cruz e Ressurreição são fatos históricos em que Javé se fez pessoa a partir da margem (Jo 1.46: De Nazaré pode sair alguma coisa boa?) em Jesus de Nazaré (At 10.34-43), um camponês empobrecido (II Co 8.9), sem terra (Mt 8.20), palestino e galileu marginalizado (Mt 4.12-17: Galiléia dos gentios!), que foi morto pelo Templo (Lc 22.1-2; Mc 14.63-64) e pelo Estado como subversivo (Lc 23.1-5), pois proclamava o Evangelho do Reino de Deus como sendo uma nova mensagem para uma nova sociedade (a ser construída pelo próprio Cristo - I Co 15.24 - sendo nós cristãos batizados seus convidados especiais nesta tarefa – Mt 28.18-20) sem classes sociais, fraterna e igualitária em oposição ao Modo de Produção Escravista vigente sustentado pelo Estado romano. No crucifixo vemos pendurado um camponês sem terra palestino torturado até a morte pelo Estado por não se conformar com este século (Rm 12.1-2) para salvar “o seu povo dos pecados deles” (Mt 1.21), sendo a salvação um processo coletivo (Zc 8.7; Dn 12.1; Sl 18.27; Sl 28.9; 2 Sm 22.28) e não meramente individual.

Jesus Cristo parte da Práxis (da realidade da vida do povo oprimido) para depois abordar a Teoria (a teologia – sua teologia está construída a partir e em cima da realidade opressiva – Lc 4.18-19 – para acabar com ela). Qual é a Práxis de Jesus? Ele é Deus encarnado como empobrecido (II Co 8.9) na classe camponesa (Lc 1.48) para libertá-la da opressão (Lc 4.18-19) pela construção do Reino de Deus (Lc 8.1), que já começa aqui e agora e somente se completa com a segunda vinda de Cristo no Dia do Juízo Final. Sua Práxis começa na manjedoura (lugar de trabalho e de luta do camponês) fora da cidade e passa pela cruz, porque para o sistema ele é um subversivo (e de fato o é, pois o Evangelho do Reino de Deus propõe construir uma nova sociedade em oposição à atual), e tem seu apogeu na ressurreição do corpo na Páscoa. O corpo ressuscita, portanto não pode ser oprimido por ser sagrado (I Co 1.1: aos santificados em Cristo Jesus; II Co 1.1), algo revolucionário dentro do conceito de corpo na sociedade greco-romana, onde o corpo do escravo era mero objeto descartável, mesmo sendo a base da economia. Sua prática de inserção nas lutas do povo oprimido o leva à cruz, mas vence o sistema deste mundo (Jo 16.33; I Jo 5.5) se opondo e invalidando o decreto de morte do Estado (Jo 18.16) ressuscitando dos mortos (Lc 24).

A Teoria responde às necessidades da Prática. A teologia se constrói a partir da vida (da Práxis duplamente libertadora: Mt 15.21-28 – quem liberta também é libertado), das necessidades e contradições da vida, dos conflitos, da luta de classes existente, para transformar e valorizar a vida (Jo 10.10). Jesus parte da realidade da vida (da Práxis: Lc 18.41: “Que queres que eu te faça? Respondeu ele: Senhor, que eu torne a ver”.) e não da teologia (da Teoria) como o fazem os fariseus. Para os fariseus a teologia (a Torá) vinha na frente e se impunha sobre tudo (Mc 3.1-6); para Jesus o que se impõe são a vida, os conflitos e contradições da vida (Mc 2.23-28), a Prática diária. Para os fariseus tudo deveria se orientar pela teologia – a Lei (Jo 7.49: “Quanto a esta plebe que nada sabe da lei, é maldita”.); a Lei (a teologia) dizia o que fazer e o que não fazer. Para os fariseus e sacerdotes a teologia molda e engessa a vida (Mc 2.27) conforme a sua interpretação da Lei que legitimava o sistema de dominação, tanto do Templo como do Estado. Para Jesus a vida molda e constrói a teologia (Mt 15.21-28). A teologia responde às necessidades da vida para que ela seja livre e plena como Deus a criou (Gn 1.27). A interpretação da Lei (a teologia) feita pelos fariseus e sacerdotes legitimava a opressão e a sociedade de classes (Jo 11.47-48). Para Jesus o que deve orientar a pessoa é a vida, o fazer e o não fazer (a Práxis), como vemos em Mt 25.35-36: “Porque tive fome, e me destes de comer; tive sede, e me destes de beber; era forasteiro, e me hospedastes; estava nu, e me vestistes; enfermo, e me visitastes; preso, e fostes ver-me”. A Práxis determina a teologia (a Teoria). Esta Práxis é libertadora (liberta da doença que é resultado da pobreza que é resultado da opressão econômica, política, cultural, ideológica e psicológica; liberta da Lei mal interpretada; liberta da opressão econômica e política; liberta das obras que nos querem salvar e não o podem) e cria uma teologia libertadora que se confronta com o poder do sistema dominante (o Modo de Produção Escravista e o Império Romano, hoje, o Capitalismo). A fé em Jesus Cristo está embasada na prática da vida em favor do excluído, do oprimido, da vítima do sistema. A teologia é para interpretar e melhorar a vida, deixar a vida ser vida, libertar a vida da opressão do modo de produção opressor vigente e não, como normalmente acontece via Religião, legitimar o sistema econômico opressor. A teologia da Bíblia (o texto bíblico – a Teoria) se constrói a partir da Prática da vida e é para levar para uma nova vida (uma nova Prática) que Jesus propõe no Reino de Deus (Mc 1.14-15) que sempre aponta para a construção de uma nova sociedade sem classes sociais antagônicas e em permanente luta, hoje, não capitalista. Assim, a Práxis de Jesus tanto quanto sua teologia são subversivas, pois uma é construída a partir e em cima da outra para se ter uma nova prática: o Reino de Deus.

Deus no AT, com Abraão e Sara, parte da Práxis dos sem terra: a luta contra a opressão e pela terra e propõe buscar a terra, lutar pela terra sob a orientação de Deus. No Êxodo Deus parte da Práxis da luta de classes entre os sem terra escravos e o Estado, para acabar com a luta de classes com o Êxodo e culmina com a construção, nas montanhas da Palestina, de uma nova sociedade sem classes sociais onde a terra (o meio de produção) está sob o controle dos camponeses (a nova Práxis) e o relato sobre isto é a Teoria – a teologia – o texto bíblico. A teologia se coloca ao lado da luta contra o Modo de Produção Tributário e na luta pela terra (a Prática) que acontece contra as cidades-estado na Palestina. A teologia de Javé, na realidade da luta de classes no Egito e na Palestina, legitima a luta dos camponeses sem terra escravos por liberdade, por terra e por uma nova sociedade sem classes sociais e sem Estado nas montanhas da Palestina: isto é Evangelho. Camponês só é livre se tem terra (só é livre quem controla e possui os meios de produção). Diferentemente da Religião egípcia e cananéia que legitimam a Práxis do Estado que é espoliar os camponeses via tributos: produtos e trabalho forçado (I Rs 5). É a questão da Religião e do Evangelho. A Religião está para a legitimação do status quo e o Evangelho está para a subversão do status quo para construir um novo status. Segundo Dt 6.20-23 a fé em Javé se orienta e se constrói a partir Práxis da luta de classes em favor dos oprimidos. Israel confessa a sua fé no Deus Javé que se põe, na luta de classes, ao lado dos camponeses sem terra escravos e contra o Estado comandado pelo Faraó e sua família. A confissão de fé, e conseqüentemente a fé, do povo de Israel é construída a partir da Práxis de Javé de se colocar, na luta de classes, a favor dos camponeses sem terra escravos e se colocar contra o Estado. O texto da confissão de fé (Teoria) de Dt 6.20-23 é a teologia que parte da Práxis de Javé com o povo oprimido contra o opressor (Estado egípcio e cidades-estado cananéias). Esta teologia (Teoria) anima para uma nova Prática de libertação no contexto em que o leitor ou ouvinte desta confissão estão, pois o nosso Deus está com a classe que trabalha e não com a classe que explora o trabalho de outrem. Prática-Teoria-Prática é a metodologia, tanto no AT como no NT. Esta metodologia é usada por Jesus em Lc 24.13-35 onde tudo começa com a pergunta sobre a realidade, a Prática: “lhes perguntou Jesus: Que é isso que vos preocupa e de que ides tratando à medida que caminhais?”, daí vem o relato da realidade (da Práxis destes dois discípulos que estavam fugindo de Jerusalém, desanimados e com medo da repressão do Estado) que segue com a explicação por parte de Jesus das Escrituras (25-27) – Teoria (teologia) – a partir desta realidade (Prática) e finaliza com uma nova Prática (33-35) após o partir do pão (30-31): pararam de fugir e foram enfrentar o sistema em Jerusalém, participando da construção de uma nova sociedade igualitária de consumo, por causa da esperança messiânica, e não de produção (At 2 e 4).

As igrejas cristãs normalmente se tornam Religião e deixam de ser Evangelho, pois não admitem a luta contra o status quo: o capitalismo; não se inserem na luta de classes a favor do oprimido e contra o opressor, pois os dois estão nas igrejas e as igrejas optam em ficar do lado do opressor, dizendo serem neutras (nem o diabo acredita nesta neutralidade). Como diz Paul Freston “E o que sempre acontece com as religiões de massas é que elas passam a se parecer cada vez mais com a sociedade. Em vez de transformar a sociedade, a religião é transformada por ela”. As igrejas cristãs (com suas devidas exceções que confirmam a regra), como os fariseus, partem da teologia e não partem da prática da luta pela vida plena em direção à uma nova sociedade que Jesus chama de Reino de Deus em seu trabalho com o povo. Deus parte da realidade da luta de classes optando pelas vítimas do sistema. As igrejas normalmente optam pelos opressores, traindo o Evangelho e se tornando uma Religião, porque os opressores ou os seus testas de ferro controlam a administração das igrejas, portanto sua teologia e sua prática. Deus tornado pessoa num camponês sem terra palestino parte da realidade do povo oprimido para apontar para a construção de uma nova sociedade: o Reino de Deus, que é a mensagem central de Jesus conforme Lc 4.43: “É necessário que eu anuncie o evangelho do reino de Deus também às outras cidades, pois para isso é que fui enviado”. Por Jesus apontar, com o anúncio e vivência do Evangelho do Reino de Deus, para a construção de uma nova sociedade ele é crucificado, como diz em Lc 23.2 e 5: “E ali passaram a acusá-lo, dizendo: Encontramos este homem pervertendo a nossa nação, vedando pagar tributo a César e afirmando ser ele o Cristo, o Rei. Insistiam, porém, cada vez mais, dizendo: Ele alvoroça o povo, ensinando por toda a Judéia, desde a Galiléia, onde começou, até aqui”. Jesus foi para a cruz por causa de sua Práxis contra o Estado (Lc 13.32) e contra a Religião (Templo de Jerusalém), Jo 11.47-48. O Evangelho é essencialmente subversão (I Co 1.28) e nunca manutenção do sistema de dominação. O Evangelho subverte a ordem estabelecida. A Religião legitima a ordem estabelecida (vide símbolo da IECLB). A dinâmica da religião é quando a pessoa procura Deus para legitimar a sua práxis (creio em Deus e ele vai me tornar rico). A religião está construída em cima de obra humana: eu busco Deus para me salvar, portanto me salvo pelas minhas obras na busca por Deus, pois esta fé é obra minha e não dom do Espírito Santo que me foi dada quando ouvi o Evangelho (Rm 10.17: “a fé vem pela pregação, e a pregação, pela palavra de Cristo”). O Evangelho é quando Deus vai em busca da pessoa para que mude a sua práxis (Mc 1.15), subvertendo a ordem do sistema dominador que está introjetada na pessoa. A salvação vem de fora de nós, da cruz de Cristo. A cruz de Cristo mostra como é a realidade do mundo (quem não reproduz o sistema é crucificado Mt 25.14-30) em oposição ao Reino de Deus. A Religião promete deixar a pessoa rica (apenas promete isso, pois riqueza não é bênção de Deus, Mt 19.16-30) e a deixa acomodada e alienada, mas o Evangelho leva a pessoa para a cruz (Lc 9.23), pois se insubordina em relação ao mundo, hoje, o capitalismo. Assim, preferimos sempre a Religião ao Evangelho. A igreja sempre está neste impasse e diante desta decisão: ser Religião ou Evangelho. A Religião é o suspiro da pessoa oprimida dentro da opressão, é o oásis dentro do deserto sem querer acabar com o deserto que produz o sofrimento e a opressão; o Evangelho muda a opressão em que a pessoa vive e o opressor que está dentro dela, acaba com o deserto.

Nas parábolas Jesus parte da prática da vida. As parábolas mostram a realidade da vida da classe camponesa, com no exemplo de Mc 4.1-9, onde Jesus expõe a realidade da classe camponesa na Palestina. Que terra o camponês tinha para semear? Os barrancos à beira das estradas, a terra com laje, que na primeira seca matava a planta, a terra ruim, improdutiva e cheia de espinhos. A terra boa estava, na forma de latifúndio, sob controle da elite israelita e dos romanos. Assim como hoje no Brasil a terra boa, para o uso de máquinas, está sob o controle do latifúndio – 44% das terras são controladas por 0,9% de proprietários. Nesta parábola, como nas outras, Jesus parte da realidade (da Práxis) para anunciar o Evangelho do Reino de Deus que quer mudar esta realidade. O Evangelho vem ao encontro da Vida sofrida na luta pelo Reino de Deus. O Reino de Deus é o oposto do sistema vigente, hoje, o capitalismo. O capitalismo é hoje o instrumento que o diabo usa para combater o Evangelho do Reino de Deus, como diz Lutero: “Por isso o pregador deve conhecer o mundo muito bem e reconhecer que ele é desesperadamente mau, propriedade do diabo, na melhor das hipóteses”. Portanto, o capitalismo é coisa do diabo. Assim, quem defende o capitalismo como a única forma de organizar a vida está adorando o diabo como seu deus. Para poder pregar o Evangelho do Reino de Deus temos que conhecer o mundo muito bem (algo que a maioria dos cristãos não domina), caso contrário transformamos o Evangelho em Religião, que tem a função de legitimar a realidade opressora do mundo.

Nosso processo de formação deve partir da prática da luta de classes da classe trabalhadora oprimida na luta contra o capitalismo em direção a esta nova sociedade não capitalista que Jesus chama de Reino de Deus. O Evangelho sempre responde às necessidades dos oprimidos (Mt 25.35-36), hoje a classe trabalhadora e dentro dela os setores mais oprimidos: mulheres, negros e índios. Não sou eu, a partir da fé, que digo o que devo fazer, mas é o oprimido, a partir de sua realidade, que vai dizer o que devo fazer, porque Jesus está no fraco (Mt 25.44-45). É a Práxis que determina a Teoria (teologia) para num próximo momento melhorar a Práxis e esta por sua vez melhorar a Teoria e assim por diante. A formação na igreja normalmente é a favor do capitalismo, para legitimá-lo e perpetuá-lo, é uma formação idealista. Na igreja normalmente se diz que não se pode questionar o sistema capitalista, pois isto questiona a nossa Práxis como igreja, de legitimar o capital. Esta Práxis eclesial, de legitimar o capital, requer uma teologia religiosa construída em cima de ritos religiosos e não do Evangelho do Reino de Deus, que intervém na história real e concreta e sempre aponta para a construção de uma nova sociedade não capitalista.

Assim, a realidade da luta pela vida plena e digna para todas as pessoas (a Práxis) deve determinar o conteúdo (a Teoria – a teologia) de nossa formação. O Evangelho (que é o momento segundo da ação de Deus, pela palavra escita) vai mostrar onde Deus está nesta realidade de hoje (Mt 25.35-36) e qual deve ser nossa ação, em favor dos oprimidos e excluídos, nesta realidade para transformá-la (nova Práxis), neste processo também nós seremos transformados. A Bíblia nos ajuda a ver onde hoje Deus está e o descobriremos na luta dos empobrecidos e oprimidos, como diz Paulo em Rm 14.17: “Porque o reino de Deus não é comida nem bebida, mas justiça, e paz, e alegria no Espírito Santo”. Praticar a justiça é defender quem não pode se defender por si só. 1 Jo 3.10 diz: “Nisto são manifestos os filhos de Deus e os filhos do diabo: todo aquele que não pratica justiça não procede de Deus, nem aquele que não ama a seu irmão”. O que determina a fé em Jesus Cristo é a prática da justiça e do amor (Mt 6.33). Justiça e amor (I Co 13.13) são a essência das lutas do Movimento Popular, que está na linha teológica de Paulo (I Co 4.11-13: “Até à presente hora, sofremos fome, e sede, e nudez; e somos esbofeteados, e não temos morada certa, e nos afadigamos, trabalhando com as nossas próprias mãos. Quando somos injuriados, bendizemos; quando perseguidos, suportamos; quando caluniados, procuramos conciliação; até agora, temos chegado a ser considerados lixo do mundo, escória de todos”.). O Reino é construído a partir dos que trabalham com suas próprias mãos (classe trabalhadora) e por isso são escória para a elite escravocrata que dizia que trabalho é algo indigno, coisa somente de escravos. No entanto, é a partir de escravos, mulheres, estrangeiros, operários, diaristas, sem terra e camponeses empobrecidos que Deus constrói em Jesus Cristo (porque Jesus Cristo está nestes, conforme Mt 25.40) o seu Reino (como nos exemplifica a primeira comunidade cristã segundo o relato de Atos e das Cartas) que aponta para a possibilidade de uma nova sociedade sem classes sociais e igualitária; enquanto que o status quo diz que esta possibilidade da construção de uma nova sociedade não existe porque a sociedade atual é o ápice da humanidade: estamos condenados a viver eternamente o e no presente, não há esperança.

O texto bíblico é a Teoria (teologia – segundo momento) sobre uma Prática anterior havida (ação de Deus ou de Jesus na história – primeiro momento) que requer uma nova Prática (Mc 1.15 arrependei-vos e crede no evangelho – terceiro momento). Assim, a Bíblia está construída em cima da Metodologia Prática-Teoria-Prática. O texto escrito é o relato de uma ação na história que a avalia e aponta para uma nova ação: o verbo se fez carne (Jo 1.1) – Prática - é a ação de Deus em Jesus que levou ao relato de João – Teoria - que exige uma nova postura que é o Reino de Deus (uma nova ação – uma nova Prática).

Os católicos romanos pós Vaticano II chamam o seu método de: ver-julgar-agir, porque a metodologia Prática-Teoria-Prática é marxista. Como o marxismo para a estrutura hierárquica conservadora é coisa do diabo (pois denuncia a prática opressora da própria igreja aliada ao capital) o pessoal da esquerda na igreja católica romana adaptou e mudou o nome do método. Este método está em declínio na Igreja Católica Apostólica Romana por causa do processo de endireitamento pelo que a igreja está passando. Ver: ver a nossa luta numa análise de conjuntura em nosso contexto; julgar: avaliar e entender o que está acontecendo na luta de classes da sociedade à luz da Bíblia; agir: como continuamos ou entramos nesta luta. Alguns mais tarde ainda incluíram o item celebrar: celebrar a contínua ação de Deus na história.

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