A partir de casa e a partir da escola e da igreja somos ensinados a não ver as coisas como elas são por medo da realidade e das conseqüências de um engajamento que vai gerar repressão. Somos ensinados a não ler a realidade e nem ler o que está escrito nas Sagradas Escrituras e nem ler o que está por trás da palavra.
O que normalmente não lemos nos Evangelhos? Fomos ensinados a sermos ingênuos, fomos ensinados e treinados a sermos alienados para não lermos o que está escrito. Lemos mas não entendemos, enxergamos, mas não vemos e muito menos entendemos.
Jesus diz em Mc 4.11-12: “Ele lhes respondeu: A vós outros vos é dado conhecer o mistério do reino de Deus; mas, aos de fora, tudo se ensina por meio de parábolas, para que, vendo, vejam e não percebam; e, ouvindo, ouçam e não entendam; para que não venham a converter-se, e haja perdão para eles”.
Nós também fomos ensinados a não ver a realidade dos fatos descritos nos Evangelhos para não entendermos o perigo da fé em Jesus Cristo ou para fugirmos dele (do perigo), nos protegermos ou para proteger os opressores de todos os tempos.
Nosso símbolo é a cruz.
Por aqui começa a teologia, pela cruz de Cristo. Não dá para falar da cruz sem mencionar a ressurreição. Paulo fala da loucura da pregação da cruz de Cristo em I Co1.18: “Certamente, a palavra da cruz é loucura para os que se perdem, mas para nós, que somos salvos, poder de Deus”. Não conseguimos enxergar o que a cruz significa de tão esvaziada que ela está. A cruz era o instrumento de tortura até a morte para os escravos que se revoltavam e para os rebeldes contra o estado romano. A ressurreição do corpo é a vitória sobre a cruz, é a vitória sobre o poder opressor, a vitória sobre o poderoso império romano aliado ao Templo de Jerusalém. A cruz vazia é um símbolo que destrona a religião alienante, que combate uma política de opressão que tem a função de legitimar e garantir o sistema econômico escravista romano, que esvazia a ideologia da classe dominante alicerçada na religião do estado. A cruz vazia é um símbolo de subversão da ordem, da rebeldia contra o sistema de dominação; nunca é acomodação e legitimação da ordem vigente. A ressurreição de Jesus subverteu a ordem dominante, pois ele não ficou morto, mas ressuscitou. Deus não obedeceu a ordem dada pelo Templo e pelo Império: Jesus tem que permanecer morto. Deus não se deixa mandar. Deus interferiu e contrariou uma decisão política do estado assim como ele o fez no Egito.
Está certo o ministro do supremo que quer tirar a cruz das salas dos tribunais, pois a cruz de Cristo sempre foi usada para legitimar a justiça da classe dominante que é uma ‘justiça’ parcial que favorece aquele que tem capital. A cruz de Cristo está pendurada nas delegacias que torturam presos políticos e presos comuns. Está pendurada no Congresso Nacional onde se fazem as leis injustas. Está pendurada nas salas das prefeituras onde se consumam as corrupções. Esta pendurada nos bancos onde se saqueia o povo. A cruz foi transformada naquilo que ela nunca foi: legitimadora do sistema. O símbolo primeiro da cruz sempre foi a contestação. O símbolo da tortura e da morte foi transformado por Deus em símbolo de vida e de salvação. Esta é a subversão que Deus realizou. A cruz de Cristo não é o que Napoleão diz:
“No que me toca, eu não vejo na religião o segredo da encarnação, mas o segredo da ordem social: A religião empurra a idéia da igualdade para o céu, o que impede que os ricos sejam massacrados pelos pobres. A religião é como uma espécie de vacinação, consequentemente uma vacina, que sempre beneficia os charlatões e vilões, pelo fato de satisfazer a nossa queda pelo milagroso. Os sacerdotes são mais valiosos que muitos Kants e todos os sonhadores alemães. Como se pode manter a ordem num Estado sem religião? A sociedade não pode subsistir sem uma desigualdade das riquezas, relativamente, de bens, e a desigualdade das riquezas, relativamente, de bens, não pode subsistir sem a religião. Se uma pessoa morre de fome enquanto que seu vizinho nada em fartura, então lhe é impossível achar uma explicação para esta desigualdade, se não há uma autoridade que lhe diz: Deus quer que assim seja; tem que existir ricos e pobres no mundo; mas na eternidade finalmente tudo será dividido de maneira diferente!”.
Esta é a compreensão da fé cristã mais difundida e usada para manipular o povo. A cruz de Cristo não é e jamais vai ser isto. Não existe explicação melhor de como a classe dominante entende a fé cristã do que esta do Napoleão. Marx dizia que a religião é ópio para o povo por causa desta prática e compreensão da religião. Hoje sempre de novo corremos o risco de transformarmos a cruz de Cristo nesta compreensão do Napoleão.
Em 1970 foi criado o atual símbolo da IECLB para a Assembléia da FLM – Federação Luterana Mundial em Porto Alegre e adotado pela igreja como seu símbolo em 1972. Esta Assembléia em protesto às torturas praticadas a presos políticos e comuns pelo regime militar foi transferida para a França. O símbolo é cópia das colunatas do Palácio da Alvorada simbolizando a unificação, a submissão e o enquadramento da igreja nos limites do poder ditatorial (militar da época e hoje) do capital centralizado de Brasília. A cruz está dentro dos limites da colunata e não sobre e perpassando e extrapolando seus limites. Até o globo está dentro dos limites da colunata – nos limites impostos pelo estado capitalista ditatorial: tanto faz se é militar ou do capital internacional. A cruz sobre o globo dentro dos limites do poder estabelecido. Fala-se apenas o que os limites do poder do capital nos impõem, permitem e querem. Usou-se o símbolo do poder estatal controlado pela classe dominante para representar o país. Não dá para explicar e representar o país a partir do Palácio da Alvorada de Brasília. A colunata é o símbolo da glória e do poder do capital nacional (teologia da glória?). Brasília é o símbolo da modernidade e da capacidade da burguesia em mostrar o seu projeto de desenvolvimento à custa do povo (além de ser uma mina de ouro para as falcatruas das empreiteiras). Por que não se usou um símbolo que representa o povo brasileiro: suas culturas, seus sofrimentos e seus sonhos? É claro que a explicação oficial é outra.
A partir de quando Jesus é um problema?
Jesus foi um problema desde antes de nascer. Ele foi um filho bastardo. Filhos bastardos não são bem vistos e nem bem quistos na sociedade. Se José não tivesse casado com Maria ela provavelmente teria sido morta por ofender a sua família e os bons costumes. Como se chama uma moça que tem um filho ilegítimo na barriga? Ela é chamada de puta e o seu filho é chamado de filho da puta. Assim Jesus seria chamado se José não tivesse casado com Maria. Para termos uma idéia do que falamos podemos ler em Lv 21.9 o seguinte: “Se a filha de um sacerdote se desonra, prostituindo-se, profana a seu pai; será queimada”. E ainda em Gn 38.24 diz: “Passados quase três meses, foi dito a Judá: Tamar, tua nora, adulterou, pois está grávida. Então, disse Judá: Tirai-a fora para que seja queimada”.
Que reações uma gravidez de uma moça geram? Exemplo:
Panambi – uma moça disse à mãe que estava grávida e a mãe a agrediu com palavras e a ameaçou pôr fora de casa e a filha foi para o quarto e se suicidou com um tiro de revólver.
Condor – O Pereira mandou matar a moça com quem teve relações cuja gravidez ameaçava a sua reputação e a sua família.
Além de filho bastardo Jesus era um camponês sem terra, sem teto, migrante, pobre, galileu de Nazaré (Jo 1.46: Perguntou-lhe Natanael: De Nazaré pode sair alguma coisa boa?), vivia na margem (Galiléia), profeta (Mt 21.11: E as multidões clamavam: Este é o profeta Jesus, de Nazaré da Galiléia!), tektwn - tekton (Mt 13.55): conforme o dicionário grego: 1) artífice em madeira, carpinteiro, marceneiro, construtor; 2) qualquer artesão ou trabalhador braçal; 2a) a arte da poesia, produtor de canções; 3) projetador, planejador, conspirador; em Mt 27.38 diz: lhstai - lestai = ladrão, saqueador, flibusteiro, rebelde (E foram crucificados com ele dois ladrões [lhstai], um à sua direita, e outro à sua esquerda.); Mt 6.20 diz: kleptai [kleptai]= ladrões (mas ajuntai para vós outros tesouros no céu, onde traça nem ferrugem corrói, e onde ladrões (kleptai) não escavam, nem roubam). Para designar ladrões se usa dois termos diferentes no grego. Para os exegetas lhstai aqui significa rebeldes, que eram os zelotas e sicários que atacavam os romanos os roubavam e os matavam como forma de luta contra Roma, eram uma espécie de guerrilheiros e não apenas simples ladrões (kleptai). Diz em Mc 15.7: “Havia um, chamado Barrabás, preso com amotinadores, os quais em um tumulto haviam cometido homicídio”. O termo ‘amotinadores’ no original diz: sustasiasthv - sustasiastes = companheiro em insurreição, colega de motim. Jesus foi crucificado no meio de dois destes, por ser equiparado a eles e condenado por crimes conforme Lc 23.1-7 onde podemos ler as acusações que Jesus recebeu: disseram que Jesus estava:
1. pervertendo a nação – fazendo subversão da ordem estabelecida. – crime político
2. proibindo pagar tributo a César - é um crime contra a economia e a sobrevivência do Estado. – crime econômico
3. dizendo ser ele o Cristo – é um crime contra a religião judaica. – crime religioso
4. dizendo ser rei – é um crime político, pois o único rei era César em Roma ou algum rei fantoche como Herodes que estava fazendo serviço sujo de Roma na Palestina. – crime político
5. disseram que Jesus alvoroça o povo – é um crime político que cria a instabilidade política pela agitação.
6. disseram ainda que Jesus estava ensinando desde a Galiléia até Jerusalém - crime político-ideológico de subversão da ordem e do pensamento estabelecido pelo Templo e por Roma.
Temos, assim, acusações políticas, econômicas, religiosas e ideológicas que Jesus estaria praticando contra o Templo e contra o Estado Romano.
Violência contra Jesus porque não se enquadrou na forma usual de vida, da ideologia, da teologia:
1. Jesus ao nascer já ameaçou um político poderoso e aliado dos romanos: Herodes, que desencadeou contra ele uma violenta repressão. Mt 2.16: “Vendo-se iludido pelos magos, enfureceu-se Herodes grandemente e mandou matar todos os meninos de Belém e de todos os seus arredores, de dois anos para baixo, conforme o tempo do qual com precisão se informara dos magos”. Mt 2.13: “Tendo eles partido, eis que apareceu um anjo do Senhor a José, em sonho, e disse: Dispõe-te, toma o menino e sua mãe, foge para o Egito e permanece lá até que eu te avise; porque Herodes há de procurar o menino para o matar”. Mt 2. 21-22: “Dispôs-se ele, tomou o menino e sua mãe e regressou para a terra de Israel. Tendo, porém, ouvido que Arquelau reinava na Judéia em lugar de seu pai Herodes, temeu ir para lá; e, por divina advertência prevenido em sonho, retirou-se para as regiões da Galiléia”. Aqui a repressão tem paralelo no Êxodo onde Deus iniciou o processo de libertação.
2. Fariseus, escribas, herodianos, saduceus querem matá-lo porque não se enquadra nos esquemas da Lei. Mc 3. 6: “Retirando-se os fariseus, conspiravam logo com os herodianos, contra ele, em como lhe tirariam a vida”.
3. Herodes sente-se ameaçado: Lc 13.31-32: “Naquela mesma hora, alguns fariseus vieram para dizer-lhe: Retira-te e vai-te daqui, porque Herodes quer matar-te. Ele, porém, lhes respondeu: Ide dizer a essa raposa que, hoje e amanhã, expulso demônios e curo enfermos e, no terceiro dia, terminarei”.
4. Ameaça ao Templo que mandou prendê-lo - Lc 22.52: “Então, dirigindo-se Jesus aos principais sacerdotes, capitães do templo e anciãos que vieram prendê-lo, disse: Saístes com espadas e porretes como para deter um salteador?”
5. Pôncio Pilatos o condenou à morte: Mt 27.26: “Então, Pilatos lhes soltou Barrabás; e, após haver açoitado a Jesus, entregou-o para ser crucificado”. Jesus foi condenado pelo Estado romano.
Jesus ameaçou:
1. A situação política – Herodes e Pôncio Pilatos se sentiram ameaçados, como também os sacerdotes do Templo. As tentações relacionadas ao poder foram vencidas para viabilizar uma sociedade igualitária (Mt 4. 8-10: “Levou-o ainda o diabo a um monte muito alto, mostrou-lhe todos os reinos do mundo e a glória deles e lhe disse: Tudo isto te darei se, prostrado, me adorares. Então, Jesus lhe ordenou: Retira-te, Satanás, porque está escrito: Ao Senhor, teu Deus, adorarás, e só a ele darás culto”.); poder-serviço onde os outros são irmãos: Mc 10. 42-44: “Mas Jesus, chamando-os para junto de si, disse-lhes: Sabeis que os que são considerados governadores dos povos têm-nos sob seu domínio, e sobre eles os seus maiorais exercem autoridade. Mas entre vós não é assim; pelo contrário, quem quiser tornar-se grande entre vós, será esse o que vos sirva; e quem quiser ser o primeiro entre vós será servo de todos”.
Programa político de Jesus: Lc 4.18-19 – O Programa de Jesus está construído em cima da realidade para superar esta realidade: evangelizar os pobres, proclamar libertação aos cativos, restauração da vista aos cegos, pôr em liberdade os oprimidos e apregoar o ano jubilar.
Organização política do Movimento de Jesus:
1º círculo ao redor de Jesus – Lc 5.1-11 – o grupo dos 12 discípulos. Tarefa – Mc 6.7-13: envio dos doze de 2 em 2
2º círculo ao redor de Jesus – Lc 8.1-3 – o grupo das mulheres. Tarefa – dar assistência com seus bens para garantir a infra-estrutura financeira para poder viabilizar o seu projeto.
3º círculo ao redor de Jesus – Lc 10.1-9 – o grupo dos 70
Tarefa – envio dos 70 de 2 em 2 para anúncio e prática do reino de Deus.
Projeto de Deus no Novo Testamento
Econômico
At 2.42-47; 4.32-37; Ap 18.1-24; Tg 5.1-6; Lc 12.32-34
Político
Mc 10.42-47; Mc 6.30-44; Ef 2.11-22 (19); At 6.1-7; Ap 13.1-18
Sócio-Religioso
Lc 6.20-36; Lc 10.25-37; Mt 22.34-40
Ideológico
Tg 1.27; Rm 12.1-2; Mt 28.16-20; I Co 1.18-31; Lc 4.16-30; Mt 25.1-46; Ap 18.1-8
Cultural
Mt 15.21-28; Gl 3.26-28
Gênero
Gl 3.26-28; Rm 16.1-16; Mc 10.2-9
2. A situação econômica – Nova proposta econômica baseada na vida simples e na partilha:
1 Tm 6.8: Tendo sustento e com que nos vestir, estejamos contentes.
Mt 6.26: Observai as aves do céu: não semeiam, não colhem, nem ajuntam em celeiros; contudo, vosso Pai celeste as sustenta. Porventura, não valeis vós muito mais do que as aves?
At 4. 32-35: Da multidão dos que creram era um o coração e a alma. Ninguém considerava exclusivamente sua nem uma das coisas que possuía; tudo, porém, lhes era comum. Com grande poder, os apóstolos davam testemunho da ressurreição do Senhor Jesus, e em todos eles havia abundante graça. Pois nenhum necessitado havia entre eles, porquanto os que possuíam terras ou casas, vendendo-as, traziam os valores correspondentes e depositavam aos pés dos apóstolos; então, se distribuía a qualquer um à medida que alguém tinha necessidade.
3. A situação social – inclui doentes, perdidos, pecadores, publicanos, mulheres, crianças. Jesus era da classe camponesa numa sociedade escravista onde ainda havia a classe dos senhores de escravos e classe dos escravos.
4. A situação religiosa – Vai além e radicaliza a Lei. Radicaliza a Lei: Mt 5. 38-39: “Ouvistes que foi dito: Olho por olho, dente por dente. Eu, porém, vos digo: não resistais ao perverso; mas, a qualquer que te ferir na face direita, volta-lhe também a outra”. Vai além da Lei no entender dos fariseus: Mt 12.1-2: “Por aquele tempo, em dia de sábado, passou Jesus pelas searas. Ora, estando os seus discípulos com fome, entraram a colher espigas e a comer. Os fariseus, porém, vendo isso, disseram-lhe: Eis que os teus discípulos fazem o que não é lícito fazer em dia de sábado”. Jesus diz em outros termos: cumprir a lei é pouco, isso os fariseus também fazem. Mt 5.20 diz “Porque vos digo que, se a vossa justiça não exceder em muito a dos escribas e fariseus, jamais entrareis no reino dos céus”.
5. A situação cultural – Jesus nasce fora da cidade numa estrebaria como filho bastardo numa família camponesa galiléia pobre (tektwn [tekton] = trabalhador braçal) e por isso é criado longe do local de nascimento – em Nazaré – pela situação política e cultural. Jesus é migrante - migra para Belém depois para o Egito e depois volta para a Galiléia, é um migrante permanente sem local fixo, pois não tem terra e nem casa: Mateus 8.20: “Mas Jesus lhe respondeu: As raposas têm seus covis, e as aves do céu, ninhos; mas o Filho do Homem não tem onde reclinar a cabeça”.) Propõe uma nova composição familiar: Lucas 14.26: “Se alguém vem a mim e não aborrece a seu pai, e mãe, e mulher, e filhos, e irmãos, e irmãs e ainda a sua própria vida, não pode ser meu discípulo”. Mc 3.35: “Portanto, qualquer que fizer a vontade de Deus, esse é meu irmão, irmã e mãe”.
Jesus diz para nós deslocarmos o centro das atenções sempre para o outro e não sobre si mesmo. Aprendemos que a fé cristã é uma coisa ingênua, apolítica e individual. Mas os cristãos:
- formam um coletivo – uma comunidade
- são perseguidos pelos romanos como ateus e subversivos
- são perseguidos pelos judeus como hereges
Os cristãos são politicamente perigosos ao Império e ao Templo e por isso precisam ser eliminados. A cruz é pena para rebeldes que se levantam contra o Império. Os cristãos eram uma ameaça ao sistema vigente por causa de sua nova proposta de vida igualitária (1) onde se repartia tudo e não havia necessitados; (2) onde não havia propriedade privada dos meios de produção – a propriedade individual estava a serviço do coletivo; (3) onde havia a igualdade e todos eram irmãos (os cristãos em sua maioria não tinham cidadania romana, eram [paroikouv] paroikous = estrangeiros e peregrinos. Paróquia é a reunião e organização de estrangeiros sem direitos e sem cidadania na sociedade envolvente [hoje os sem direitos e sem cidadania não tem mais espaço na paróquia porque não tem dinheiro, porque o critério para ser membro de uma paróquia é o dinheiro e não a prática da fé. Diz o Regimento Interno da IECLB: Art.16 - Em obediência aos mandamentos de Deus e na confiança de sua promessa, os membros são chamados a: I - participar do Culto na Comunidade e atender ao convite para a Santa Ceia; II - conduzir a sua vida de acordo com a responsabilidade que têm os membros da Igreja de Jesus Cristo perante Deus, o seu próximo e a sociedade; III - cuidar para que seus filhos sejam batizados, educados na fé cristã e confirmados; IV - zelar para que os cônjuges recebam a bênção matrimonial; V - zelar para que os mortos sejam sepultados segundo os preceitos eclesiásticos; VI - contribuir financeiramente para a manutenção da Comunidade e dos demais órgãos e instâncias do Sínodo e da IECLB.] Em Efésios 2.19 diz: “Assim, já não sois estrangeiros (xenoi - xenoi) e peregrinos (paroikoi), mas concidadãos dos santos, e sois da família de Deus”; Romanos 12.5: “assim também nós, conquanto muitos, somos um só corpo em Cristo e membros uns dos outros”; Colossenses 3.9-11: “Não mintais uns aos outros, uma vez que vos despistes do velho homem com os seus feitos e vos revestistes do novo homem que se refaz para o pleno conhecimento, segundo a imagem daquele que o criou; no qual não pode haver grego nem judeu, circuncisão nem incircuncisão, bárbaro, cita, escravo, livre; porém Cristo é tudo em todos.); (4) onde havia a ekklhsia (igreja) dos cristãos em oposição e à uma alternativa à ekklhsia dos romanos (1 Coríntios 11.22: “Não tendes, porventura, casas onde comer e beber? Ou menosprezais a igreja de Deus e envergonhais os que nada têm? Que vos direi? Louvar-vos-ei? Nisto, certamente, não vos louvo”.) ekklhsia - ekklesia, como diz o dicionário:
1) reunião de cidadãos chamados para fora de seus lares para algum lugar público, assembléia
1a) assembléia do povo reunida em lugar público com o fim de deliberar
1c) qualquer ajuntamento ou multidão de homens reunidos por acaso, tumultuosamente
1d) num sentido cristão
1d1) assembléia de Cristãos reunidos para adorar em um encontro religioso
Tudo isto normalmente não vemos quando lemos a Bíblia porque fomos instruídos a não ver isto, pois isto pode ameaçar o poder local. Os profetas nunca foram bem vistos e nem bem quistos. O Evangelho acaba sendo reduzido às mensagens de auto-ajuda, auto-estima, do pensamento positivo e à adaptação ao espiritismo.
Diz o dicionário: Peregrino = paroikov - paroikos
1) contíguo, vizinho; 2) no NT, estranho, forasteiro, alguém que vive num lugar sem direito de cidadania; 3) metáf. ; 3a) sem cidadania no reino de Deus; 3b) alguém que vive na terra como um estranho, que reside na terra temporariamente;
Estrangeiro = xenov - xenos 1) estrangeiro, estranho; 1a) alienígena (de uma pessoa ou um coisa); 1b) sem o conhecimento de, sem uma parte em; 1c) novo, desconhecido de; 2) alguém que recebe e distrai outro hospitaleiramente; 2a) com quem permanece ou se aloja, um hospedeiro.
Vamos usar o texto Mt 25 para exercitar a interpretação bíblica tentando ler as palavras e o que está por trás das palavras (nos ajudam a lingüística, a história, a arqueologia, a cultura, a economia):
Mt 25.1-13 é uma parábola que quer nos chamar a atenção sobre como estar alerta para poder e saber ler os sinais dos tempos; quer dizer: como fazer análise de conjuntura para não ser pego de surpresa pelos acontecimentos. A parábola nos adverte para sempre estarmos preparados, sempre termos uma reserva de azeite porque não sabemos quanto tempo vai durar a espera até que irrompa a nova realidade do reino de forma definitiva. Como cristãos, temos que confessar, que normalmente estamos despreparados e desprovidos dos meios para conseguir fazer uma leitura correta dos sinais dos tempos, quer dizer: fazer análise de conjuntura da nossa realidade e termos uma nova prática a partir da fé em Jesus Cristo.
A parábola nos alerta para nos prepararmos para esta tarefa. O próprio Evangelho de Mateus, logo a seguir em Mt 25.14-30, nos faz uma análise da conjuntura da época do império romano mostrando como ele funciona, qual sua dinâmica e logo após, em Mt 25.31-46, nos mostra como é o Projeto do Reino, onde as vítimas geradas pelo sistema dizem o que nós temos que fazer para podermos participar do reino de Deus. Assim, todo o capítulo 25 de Mateus é um exercício de análise de conjuntura, para sabermos como também fazer hoje em dia a leitura dos sinais dos tempos. Somos desafiados a nos prepararmos para o reino lendo os sinais da realidade e propor o novo em contraposição ao atual. A parábola nos diz que os cristãos sempre esperam pelo novo (conforme a parábola: pelo noivo) e com isto está dizendo que não colocamos fé no velho, no sistema atual, ele já está aí, por isso não precisamos esperar por ele.
A parábola de Mt 25.1-13 nos quer ajudar a analisar se nós somos as ajuizadas ou se somos as sem juízo que não se prepararam para o grande acontecimento da vinda do reino. A parábola diz que o reino vai vir de qualquer jeito, o juízo final também; nós é que devemos nos preparar para não perder a hora e estarmos preparados. Quem não se preparou (também no sentido de saber ler os sinais dos tempos porque nada acontece por acaso) e não se preveniu vai ficar de fora; vai perder o bonde da história.
Isto significa que o tempo de espera é um tempo com muita atividade com os preparativos. O primeiro preparativo é saber ler os sinais dos tempos, parar de ser ingênuo, inocente útil e muito menos preguiçoso e relaxado. O segundo é já começar os preparativos e viver o novo, experimentar na vida diária, na organização da sociedade este novo projeto do reino. Onde em nosso país já está se experimentando uma nova forma de organização para que possamos dela participar neste período de preparação? Assim ler (a teoria) está intimamente ligado com o fazer acontecer o novo (a prática) já a partir de agora a partir daquilo que as vítimas do sistema dizem que deve ser feito. Mt 25.35-36 mostra quem são as vítimas do sistema: “Porque tive fome, e me destes de comer; tive sede, e me destes de beber; era forasteiro, e me hospedastes; estava nu, e me vestistes; enfermo, e me visitastes; preso, e fostes ver-me”. Jesus diz que estes nós devemos ouvir e aí saberemos o que fazer após ter feito uma correta leitura da realidade do presente e da proposta do reino.
Aí está a nossa tarefa de forma muito clara, façamo-la!
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