3 de agosto de 2011

Jesus nasceu!

Falamos de Jesus principalmente porque morreu na cruz pelos nossos pecados e ressuscitou com o corpo e não apenas porque nasceu numa estrebaria e foi colocado numa manjedoura. Muitas crianças já nasceram numa estrebaria e foram colocadas num cocho de vaca, mas ressuscitar, somente ele!
Nasceu para que? Morreu por que? Sua vida responde à estas perguntas: Onde passou sua vida? No centro? Não, na periferia, na Galiléia. Em Mateus 4,12 diz: “Ouvindo, porém, Jesus que João fora preso, retirou-se para a Galiléia”.
Dos seus trinta anos de vida Jesus passou vinte e sete no anonimato, em Nazaré, uma aldeia sem importância na Galiléia (Jo 1,46). Nunca saiu da Palestina durante o seu ministério mas a sua pregação mudou o mundo. Era visto como judeu pela samaritana (Jo 4,9) e como galileu pelos judeus da Judéia (Mt 26,69).
Você já se perguntou uma vez por que João Batista e Jesus foram presos e mortos se João era um profeta enviado de Deus e Jesus era Filho de Deus? Isso tem lógica? Você acha que eles seriam presos hoje também? Por que e por quem? Por que os cristãos hoje não são mais presos por causa do Projeto de Deus como o eram na comunidade primitiva? Será que deixaram de seguir o Projeto de Deus? Ou o Projeto de Deus hoje está tão identificado com a Igreja que não ameaça mais os poderosos?
Jesus se deixou batizar na periferia, no rio Jordão, de graça, e não no Templo onde, para se purificar, teria que fazer o sacrifício de algum animal que compraria ali dando lucro à família do sumo sacerdote que tinha a exclusividade do comércio no Templo. Jesus se deixou batizar pelo profeta João longe de Jerusalém que era o centro do poder opressor religioso aliado ao poder político romano.
Como era este Jesus? Ele era europeu, branco, loiro, alto, de olhos azuis como o vemos retratado nos calendários e nas pinturas das igrejas da idade média?
Ele era asiático, pois a Palestina fica no continente asiático. Era palestino, morador da Palestina, da classe camponesa e falava o aramaico. Os palestinos tem a pele morena, cabelos negros, barba negra cerrada e estatura baixa. Lucas 19,2-3 diz: “Eis que um homem, chamado Zaqueu, maioral dos publicanos e rico, procurava ver quem era Jesus, mas não podia, por causa da multidão, por ser ele de pequena estatura”. Quem era de pequena estatura? Jesus ou Zaqueu?
Será que tenho a impressão correta de que este Jesus seria muito mal visto no meio cultural dos alemães evangélicos? Será que ele poderia ser membro de nossa comunidade? Será que ele se sentiria bem em nossa comunidade? Será que ele não seria discriminado por causa de sua origem palestina e por causa da sua cor de pele escura? Será que Jesus seria bem visto em nossa comunidade por ser um sem terra? Será que este Jesus sabe falar alemão?
Jesus pregava e convivia com as pessoas nos lagos, nas montanhas, nos vales, nas ruas e nas aldeias e até de vez em quando no Templo de Jerusalém. Curava os doentes que eram considerados impuros e pecadores e assim os reintegrava na família e na sociedade (João 9:2-3 diz: “E os seus discípulos perguntaram: Mestre, quem pecou, este ou seus pais, para que nascesse cego? Respondeu Jesus: Nem ele pecou, nem seus pais; mas foi para que se manifestem nele as obras de Deus”). Quando curava os doentes ainda lhes perdoava os pecados (Lucas 5,20: Vendo-lhes a fé, Jesus disse ao paralítico: Homem, estão perdoados os teus pecados) e com isto ofendia e agredia a compreensão da Lei no entendimento dos fariseus, que queriam matá-lo (Mt 12,14), por curar longe do Templo e contra a sua compreensão da Lei (Torá, os primeiros 5 livros do Antigo Testamento). Anuncia o Reino de Deus por parábolas (Mc 4, 33-34), nas discussões e conflitos com seus opositores (Mc 12,13-17), nas curas (Mc 5, 1-14), nos milagres (Mc 6, 45-52), nos gestos e posturas (Lc 15, 1-2), nas releituras das Escrituras (Mt 5, 17-48), nas denúncias e posturas frente a realidade de dominação (Mt 21, 12-17; Mt 25, 14-46), nos ditos (Mt 23, 13-36), nas conversas (Mc 12, 41-44) e nos sermões (Mt 5-7). Mas o anuncia a partir dos empobrecidos e excluídos. A opção de Jesus é clara, o apelo também: não é possível ser amigo dele e continuar apoiando o sistema que marginaliza e oprime tantas pessoas. E a quem quer segui-lo ele manda escolher: "Ou Deus, ou o dinheiro! Servir aos dois não dá!" (Mt 6,24).
Andava no meio do povo camponês e não no palácio do rei Herodes, do sumo sacerdote Caifás e do governador Pôncio Pilatos; ali ele só entrou torturado e amarrado para ser condenado à morte. Com estes ele não comungava ao redor de uma mesa, mas os chamou de raposas (Lucas 13, 31-32: “Naquela mesma hora, alguns fariseus vieram para dizer-lhe: Retira-te e vai-te daqui, porque Herodes quer matar-te. Ele, porém, lhes respondeu: Ide dizer a essa raposa que, hoje e amanhã, expulso demônios e curo enfermos e, no terceiro dia, terminarei”.)
Jesus andava, pregava e fazia grandes sinais do Reino de Deus no meio do povo pobre o que fazia os poderosos do Sinédrio (que em sua maioria eram saduceus latifundiários) se sentirem ameaçados em sua compreensão da fé e no seu poder, como lemos em Jo 11, 47-48: “Então, os principais sacerdotes e os fariseus convocaram o Sinédrio; e disseram: Que estamos fazendo, uma vez que este homem opera muitos sinais? Se o deixarmos assim, todos crerão nele; depois, virão os romanos e tomarão não só o nosso lugar, mas a própria nação”.
Falava e convivia com publicanos, estrangeiros, mulheres, leprosos, doentes, pescadores pobres, impuros o que ameaçava o poder da Lei, do Templo, das tradições e dos bons costumes. Jo 1, 14 diz: “E o Verbo se fez carne e armou tenda entre nós”, e não construiu Templo. Convivia com os marginalizados, empobrecidos e os ensinava e os valorizava como pessoas, com isto os poderosos do Templo e do Estado romano se sentiram ameaçados em seu poder. Fez pior ainda: teve a ousadia de mudar partes da Lei (Torá) porque ameaçavam a vida e traziam a morte; como lemos em Mateus 5,21-48: “Ouvistes que foi dito aos antigos: (...) Eu, porém, vos digo”. Jesus se coloca acima da Lei o que lhe trouxe o ódio dos fariseus, escribas, saduceus, herodianos e sacerdotes. É sempre assim, quem não se enquadra na ideologia dominante é perseguido pela sociedade!
O apóstolo Paulo entendeu bem a questão da salvação e a luta de Jesus contra a compreensão e a aplicação da Lei pelos fariseus dizendo em Efésios 2.8-9 “Porque pela graça sois salvos, mediante a fé; e isto não vem de vós; é dom de Deus; não de obras, para que ninguém se glorie”. Em Romanos 3.28 ele reafirma isto dizendo: “Concluímos, pois, que a pessoa é justificada pela fé, independentemente das obras da lei”. Assim a nossa postura empática e misericordiosa frente os oprimidos e suas lutas por vida digna e libertação não nos salva, mas já é conseqüência da salvação que já nos foi concedida por meio da fé em Jesus Cristo. Esta fé nos é brindada pelo Espírito Santo quando ouvimos e aceitamos o Evangelho.
Jesus nasceu numa manjedoura, numa família da classe camponesa, como marginalizado empobrecido, sem terra e sem poder e foi assassinado na cruz, pelo Templo e pelo Estado romano, como marginalizado, rebelde e sem poder. Disto sempre de novo nos esquecemos. Em Mateus 8.20 diz: “As raposas têm seus covis, e as aves do céu, ninhos; mas o Filho do Homem não tem onde reclinar a cabeça”. Como diz o explorador espanhol Álvar Núñes Cabeza de Vaca que viveu entre os povos indígenas do México de 1527 a 1537: “Para se entender o que significa não ter nada, é preciso não ter nada”. Lembrando Paulo em 2 Coríntios 8.9: “pois conheceis a graça de nosso Senhor Jesus Cristo, que, sendo rico, se fez pobre por amor de vós, para que, pela sua pobreza, vos tornásseis ricos”.
O Evangelho nos deixa este desafio a partir da vida de Jesus: “Tende em vós o mesmo sentimento que houve também em Cristo Jesus, pois ele, subsistindo em forma de Deus, não julgou como usurpação o ser igual a Deus; antes, a si mesmo se esvaziou, assumindo a forma de servo, tornando-se em semelhança de homens; e, reconhecido em figura humana, a si mesmo se humilhou, tornando-se obediente até à morte e morte de cruz” (Filipenses 2, 5-8). O Evangelho requer de nós a mesma prática de Jesus.
Descentralizou a fé do Templo para as estradas e aldeias camponesas da periferia do poder; o que tirava o poder dos fariseus, escribas e sacerdotes e dando um grande prejuízo para o comércio de Jerusalém onde derrubou as mesas dos cambistas e demais comerciantes (Jo 2, 14-16).
Quando Jesus nasceu já foi uma ameaça ao poderoso rei Herodes (rei fantoche à serviço de Roma) (Mt 2, 16-18) e uma ameaça à instituição do Estado opressor. Para preservar a vida toda a sua família foi viver no exílio no Egito; fazendo assim o mesmo caminho que os hebreus fizeram desde Abraão até os escravos hebreus fugindo da escravidão egípcia sob a ordem de Deus e liderados por Moisés.
E é bom lembrar que Jesus não morreu, por acaso, atropelado por um camelo numa esquina de uma das ruas de Jerusalém. Jesus morreu assassinado na cruz como ameaça ao Templo de Jerusalém (Lc 22,52; 22, 66-71) e ao Estado romano como lemos em Lc 23.1–7: v.2 “E ali passaram a acusá-lo, dizendo: Encontramos este homem pervertendo a nossa nação, vedando pagar tributo a César e afirmando ser ele o Cristo, o Rei”. v.5 “Ele alvoroça o povo, ensinando por toda a Judéia, desde a Galiléia, onde começou, até aqui”. Vemos aí quatro níveis de acusações feitas à Jesus:
1. Acusações a nível político: corromper a nação, proibir pagar imposto a César, afirmar ser rei, ensinar, fazer agitação no meio do povo.
2. Acusações a nível econômico: proibir pagar impostos a Roma.
3. Acusações a nível religioso: ensinar e afirmar ser o Cristo.
4. Acusações a nível ideológico: ensinar, corromper a nação, fazer agitação no meio do povo.
A morte na cruz era uma condenação romana e não judaica (que era o apedrejamento [I Rs 21.13], conforme o relato da morte de Estêvão em Atos 7.58: “E, lançando-o fora da cidade, o apedrejaram”). A cruz estava reservada para escravos fugitivos, que matavam seus senhores (Jesus não era escravo) e para quem se rebelava contra o império romano.
Jesus sempre foi uma ameaça aos poderosos e aos que apóiam e pensam como os poderosos; mesmo tendo dito em João 6,39: “E a vontade de quem me enviou é esta: que nenhum eu perca de todos os que me deu; pelo contrário, eu o ressuscitarei no último dia”. Ainda hoje quem é fiel ao Evangelho e segue os passos de Jesus Cristo é uma ameaça ao poder estabelecido e seus aliados. Por que? Porque se coloca ao lado e com os injustiçados e oprimidos contra os opressores na luta de classes que há em nossa sociedade.
Em Lc 2.34 diz: “Eis que este menino está destinado tanto para ruína como para levantamento de muitos em Israel e para ser alvo de contradição”. Jesus diz em Lc 7.23: “E bem-aventurado é aquele que não achar em mim motivo de tropeço”. Jesus é motivo de tropeço para ti? Como?
No tempo de Jesus os fariseus diziam para Jesus não se misturar com os impuros, dizendo: não pode conversar com uma mulher na rua, não pode tocar nos impuros, não pode jantar com publicanos e pecadores, não pode curar doentes no sábado, etc. Os 'fariseus' na igreja de hoje dizem que a igreja não pode se meter com os “impuros” de hoje: não pode se reunir e lutar com os pequenos agricultores, não pode se reunir e lutar com os sem terra, não pode se reunir e lutar com os sem teto, etc. No tempo da ditadura militar estes 'fariseus' diziam: “Quem faz isto é comunista!”. Mas tudo isto continua sendo apenas motivação do Evangelho do Reino de Deus; no tempo de Jesus como hoje.
Os 'fariseus' na igreja de hoje entendem e praticam a fé cristã como Napoleão Bonaparte, que disse:
“No que me toca, eu não vejo na religião o segredo da encarnação, mas o segredo da ordem social: A religião empurra a idéia da igualdade para o céu, o que impede que os ricos sejam massacrados pelos pobres. A religião é como uma espécie de vacinação, consequentemente uma vacina, que sempre beneficia os charlatões e vilões, pelo fato de satisfazer a nossa queda pelo milagroso. Os sacerdotes são mais valiosos que muitos Kants e todos os sonhadores alemães. Como se pode manter a ordem num Estado sem reli¬gião? A sociedade não pode subsistir sem uma desigualdade das riquezas, relativamente, de bens, e a desigualdade das riquezas, relativamente, de bens, não pode subsistir sem a religião. Se uma pessoa morre de fome enquanto que seu vizinho nada em fartura, então lhe é impossível achar uma explicação para esta desigualdade, se não há uma autoridade que lhe diz: Deus quer que assim seja; tem que existir ricos e pobres no mundo; mas na eternidade finalmente tudo será dividido de maneira diferente!”.
Se você é um destes que não consegue ouvir e não admite que se fale no culto dos fracos e empobrecidos; se você é um destes que não consegue ouvir e ver alguém defendendo um pequeno e fraco ajudando-o a se organizar na luta pelo direito e pela justiça: como um pequeno agricultor, um sem terra, um desempregado, um empregado que recebe salário mínimo. Se você é um destes, então, você não está do mesmo lado que Jesus se coloca, mas você está se colocando contra Jesus. Isto é duro de ouvir! Ouçamos qual a postura de Martin Luther sobre isto: "Olha para a tua vida. Se não te encontrares, como Cristo, no Evangelho, em meio aos pobres e necessitados, então que saibas que a tua fé ainda não é verdadeira, e que certamente ainda não provaste a ti o favor e a obra de Cristo". Isto é duro de ouvir!
É deste Jesus Cristo que falamos no Natal! É este Jesus Cristo que adoramos no Natal! É este Jesus Cristo que louvamos no Natal! É este Jesus Cristo que engrandecemos no Natal! É este Jesus Cristo que glorificamos no Natal! Este Jesus Cristo que louvamos no Natal é uma ameaça aos poderosos e seus aliados que controlam (em benefício de sua classe social) a religião, a economia, a política e o Estado opressor.
Nós louvamos e glorificamos a este Jesus que usou as palavras do profeta Isaías para colocar a nós o seu programa de ação missionária dizendo: “O Espírito do Senhor está sobre mim, pelo que me ungiu para evangelizar os pobres; enviou-me para proclamar libertação aos cativos e restauração da vista aos cegos, para pôr em liberdade os oprimidos, e apregoar o ano aceitável do Senhor” (Lc 4, 18-19). São palavras que não contém conformismo, mas são pura transformação das relações sociais e ameaça aos poderosos e seus aliados que oprimem o povo. Estas palavras mostram que Deus continua agindo da mesma forma como agiu no Antigo Testamento.
Jesus não tem uma postura neutra. Ele toma partido nos conflitos de classe que há em nosso mundo, assim como Deus o fez no Egito se colocando a favor da classe dos hebreus e se colocou contra o Egito, o Faraó e toda a sua casa (Dt 6, 21-23). Ele se coloca ao lado dos empobrecidos e oprimidos e se você é contra estes então você está se colocando contra Jesus; em Mt 25, 45 diz: “Em verdade vos digo que, sempre que o deixastes de fazer a um destes mais pequeninos, a mim o deixastes de fazer”. Estas palavras de Jesus do Evangelho são palavras que exigem conversão, arrependimento e fé no Evangelho, como ele nos fala em Mc 1, 15: “O tempo está cumprido, e o reino de Deus está próximo; arrependei-vos e crede no evangelho”.
Por causa deste programa de ação de Jesus nós o louvamos, o engrandecemos e o glorificamos como Filho do Deus vivo. Por esta prática de vida o louvamos neste Natal! Quando louvarmos a este Jesus neste Natal lembremo-nos de tudo isto! Nós costumamos embrulhar a este Jesus Cristo em meio a tantas propagandas comerciais, sentimentalismos baratos e alienantes na época do Natal que escondemos e esquecemos o que ele de fato disse, fez e porque e para que ele de fato veio.
Natal de 2001.
Queremos Paz! Um outro mundo é possível!

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