3 de agosto de 2011

O saber é para transformar e não só para conhecer!

Lemos a Bíblia não apenas para saber/conhecer/explicar o que está lá dentro, mas a Palavra de Deus tem a função de transformar a sociedade. A Palavra de Deus sempre transforma, esta é a sua função e essência. Vamos olhar isto de perto:
A tese 11 de Marx nas Teses sobre Feuerbach de 1845 diz: “Os filósofos têm apenas interpretado o mundo de maneiras diferentes; a questão, porém, é transformá-lo”.
Marx como um dos últimos grandes profetas de Deus do século 19 (hay controvérsias sobre esta afirmação, é lógico) entendeu muito bem a Bíblia, ao que parece. Porque entendo que Marx junto com Engels foram profetas de Deus: porque eles denunciaram o jeito como o sistema capitalista (o mundo) explora e oprime o povo e denunciaram que a Igreja se tornou aparelho ideológico do estado e é aliada da classe capitalista que explora e oprime a classe trabalhadora e anunciaram a construção de uma nova sociedade. Anúncio e denúncia profética feita não a partir de uma vocação direta de Deus, mas a partir da realidade de opressão da classe trabalhadora. Como será que Amós ou Miquéias falariam hoje? Qual seria seu método de leitura da realidade? Não seria o mesmo: o da constatação dos fatos da realidade como eles fizeram no passado e Marx e Engels também fizeram? Nós, cristãos, temos medo de Marx e Engels, por quê? Não será porque eles têm razão quando nos analisam a realidade tal como ela é? Não é assim que as pessoas ficam brabas quando alguém lhes mostra o seu erro (a sua realidade)?
Em 1 Jo 2.15 quando fala sobre o mundo diz: “Não ameis o mundo nem as coisas que há no mundo. Se alguém amar o mundo, o amor do Pai não está nele”. Parece que a Igreja ama muito o mundo porque o defende, quando defende o capitalismo. Eles, Marx e Engels, agiram como agiam os profetas no AT, basta comparar suas práticas. Assim como diz Jesus sobre Jerusalém que mata os profetas em Mt 23.37 “Jerusalém, Jerusalém, que matas os profetas e apedrejas os que te foram enviados! Quantas vezes quis eu reunir os teus filhos, como a galinha ajunta os seus pintinhos debaixo das asas, e vós não o quisestes!”; assim também a Igreja sempre excomungou estes dois profetas porque ela sempre foi uma fiel aliada da classe capitalista e legitimou todo o processo de acumulação primitiva do capital que aconteceu com a Conquista da América. E a Igreja ainda hoje continua sendo uma fiel aliada do capital. Experimente falar mal do capitalismo na Igreja para ver a reação. Não precisa nem falar mal do capitalismo, basta explicar como ele funciona, aí teremos uma violenta reação contra a nossa atitude de esclarecer a realidade. Para muitos capitalismo e reino de Deus são a mesma coisa. No passado a Igreja legitimou a matança de 70 milhões de pessoas dos povos indígenas na América e a escravidão africana e indígena na América. A pergunta é: tem que ser sacerdote e membro de uma igreja cristã para ser profeta ou profetisa? Amós responde, no que se refere à sua vocação, dizendo em Am 7.14: “Respondeu Amós e disse a Amazias: Eu não sou profeta, nem discípulo de profeta, mas boieiro e colhedor de sicômoros”. Ele não foi sacerdote e nem era bem quisto pelos representantes da religião oficial e ainda por cima era estrangeiro, por isso foi expulso do país. Assim Marx e Engels também nunca se chamaram de cristãos, mas fizeram o que os cristãos têm que fazer: denunciar a opressão e anunciar o novo que Deus propõe. Para ser profeta de Deus não se precisa fazer parte da comunidade cristã. Hoje o movimento profético se concentra nos movimentos populares, como a Via Campesina e outros movimentos urbanos que contestam o capital. Nós apenas não conseguimos enxergar isto, pois isto nos questiona e quem nos questiona consideramos nosso inimigo. Deus escolhe seus profetas e profetisas conforme a sua necessidade porque se os cristãos calarem até as pedras clamarão, como diz em Lc 19.40: “Mas ele lhes respondeu: Asseguro-vos que, se eles se calarem, as próprias pedras clamarão”. A Palavra de Deus (a Bíblia) não é apenas para entender, compreender o que está lá escrito ou mesmo para o enlevo espiritual, mas é para transformar a sociedade a partir das pessoas.
Olhemos o credo do povo de Israel em Dt 6. 21-23 ali diz que a Palavra de Deus transforma a escravidão em liberdade combatendo o aparelho do estado que é o instrumento ‘legal’ da classe dominante. Já no livro de Gn 1 a Palavra de Deus transforma o caos em ordem. Em I Co 15.3-4, no credo cristão, diz que Deus transforma a morte em vida, ressuscitando Jesus Cristo dos mortos.
Marx deve ter lido Jo 2.13ss quando disse que a religião é o ópio do povo, pois o texto da purificação do Templo quer combater exatamente isto. A Bíblia não serve para interpretar e explicar as coisas de Deus apenas, mas sua função primordial é transformar a sociedade; como nos coloca Lc 4.18-19 e Mc 1.15.
Acontece que os cristãos não querem transformar a sociedade porque aí eles também têm que se deixar transformar pela Palavra de Deus e são como Napoleão Bonaparte que coloca de forma clara como o capitalismo entende a religião:
“No que me toca, eu não vejo na religião o segredo da encarnação, mas o segredo da ordem social: A religião empurra a idéia da igualdade para o céu, o que impede que os ricos sejam massacrados pelos pobres. A religião é como uma espécie de vacinação, consequentemente uma vacina, que sempre beneficia os charlatões e vilões, pelo fato de satisfazer a nossa queda pelo milagroso. Os sacerdotes são mais valiosos que muitos Kants e todos os sonhadores alemães. Como se pode manter a ordem num Estado sem religião? A sociedade não pode subsistir sem uma desigualdade das riquezas, relativamente, de bens, e a desigualdade das riquezas, relativamente, de bens, não pode subsistir sem a religião. Se uma pessoa morre de fome enquanto que seu vizinho nada em fartura, então lhe é impossível achar uma explicação para esta desigualdade, se não há uma autoridade que lhe diz: Deus quer que assim seja; tem que existir ricos e pobres no mundo; mas na eternidade finalmente tudo será dividido de maneira diferente!”. (Casali, George. Methodologische Überlegungen zu einer Theologie der Befreiung für Westeuropa, pág. 77. In: Geschichte, Theorie, Praxisberichte. Münster, 1992). Tradução minha.
A Palavra de Deus hoje continua também com a função de transformar a realidade, como nos relata a Sagrada Escritura! Não tem a função primordial de a gente ler lá dentro para saber como era antigamente, de interpretar meramente a realidade daquele tempo. Conhecer a Sagrada Escritura não é apenas para ficar mais sábio, é para transformar nossa realidade, é para a gente ver a ação de Deus na história de hoje. Qual é a nossa realidade? Nossa realidade é a realidade dominada pelo capital. Como é o processo do modo de produção capitalista?
No princípio é o dinheiro (acumulação primitiva via conquista da América, saque, comércio, escravidão, pirataria) que compra os meios de produção (terra, bancos, grande comércio, indústria, conhecimento e tecnologia) e a força de trabalho que gera mais dinheiro (capital).
Dinheiro - meios de produção - força de trabalho - dinheiro: este é o processo. Dentro deste processo as pessoas viram mercadorias e a mercadoria cria vida própria como se fosse gente. É a inversão dos fatos.
Os cristãos é que deveriam ter descoberto a forma de como ler corretamente a realidade através da leitura da Bíblia, mas a ideologia da classe dominante não deixou isto acontecer. Por isso coube isto a alguém que não era cristão; para nós cristãos isto deve ser motivo de vergonha por não termos entendido direito a leitura da Bíblia. A Bíblia nos dá todos os critérios para podermos fazer uma análise correta da realidade quando deixarmo-la falar e se lermos o que lá está escrito. Mas não conseguimos isto e ainda xingamos quem fez isto por nós. Reagimos como reagiu o rei Acabe quando o profeta Elias lhe disse a verdade sobre a sua prática assassina para acumular, como diz em 1 Rs 21.20: “Perguntou Acabe a Elias: Já me achaste, inimigo meu? Respondeu ele: Achei-te, porquanto já te vendeste para fazeres o que é mau perante o SENHOR.” Achamos, como Acabe, que quem nos diz a verdade é nosso inimigo, mas é apenas um enviado de Deus, gostemos ou não. Abaixo Marx explica como funciona a sociedade no Prefácio à "Contribuição à Crítica da Economia Política"
(...) O resultado geral a que cheguei e que, uma vez obtido, serviu de fio condutor aos meus estudos, pode resumir-se assim: na produção social da sua vida, os homens contraem determinadas relações necessárias e independentes da sua vontade, relações de produção que correspondem a uma determinada fase de desenvolvimento das suas forças produtivas materiais. O conjunto dessas relações de produção forma a estrutura econô­mica da sociedade, a base real sobre a qual se levanta a superestrutura jurídica e política e à qual correspondem determinadas formas de consciência social. O modo de produção da vida material condiciona o processo da vida social, política e espiritual em geral. Não é a consciência do homem que determina o seu ser, mas, pelo contrário, o seu ser social é que determina a sua consciência. Ao chegar a uma determinada fase de desenvolvimento, as forças produtivas materiais da sociedade se chocam com as relações de produção existentes, ou, o que não é senão a sua expressão jurídica, com as relações de propriedade dentro das quais se desenvolveram até ali. De formas de desenvolvimento das forças pro­dutivas, estas relações se convertem em obstáculos a elas. E se abre, assim, uma época de revolução social. Ao mudar a base econômica, revoluciona-se, mais ou menos rapida­mente, toda a imensa superestrutura erigida sobre ela. Quando se estudam essas revolu­ções é preciso distinguir sempre entre as mudanças materiais ocorridas nas condições econômicas de produção e que podem ser apreciadas com a exatidão própria das ciências naturais, e as formas jurídicas, políticas, religiosas, artísticas ou filosóficas, numa pala­vra, as formas ideológicas em que os homens adquirem consciência desse conflito e lu­tam para resolvê-lo. E do mesmo modo que não podemos julgar um indivíduo pelo que ele pensa de si mesmo, não podemos tampouco julgar estas épocas de revolução pela sua consciência, mas, pelo contrário, é necessário explicar esta consciência pelas contradi­ções da vida material, pelo conflito existente entre as forças produtivas sociais e as rela­ções de produção. Nenhuma formação social desaparece antes que se desenvolvam todas as forças produtivas que ela contém, e jamais aparecem relações de produção novas e mais altas antes de amadurecerem no seio da própria sociedade antiga as condições mate­riais para a sua existência.
Por isso, a humanidade se propõe sempre apenas os objetivos que pode alcançar, pois, bem vistas as coisas, vemos sempre que esses objetivos só brotam quando já exis­tem ou, pelo, menos, estão em gestação as condições materiais para a sua realização. A grandes traços podemos designar como outras tantas épocas de progresso, na formação econômica da sociedade, o modo de produção asiático, o antigo, o feudal e o moderno burguês. As relações burguesas de produção são a última forma antagônica do processo social de produção, antagônica, não no sentido de um antagonismo individual, mas de um antagonismo que provém das condições sociais de vida dos indivíduos. As forças produ­tivas, porém, que se desenvolvem no seio da sociedade burguesa criam ao mesmo tempo, as condições materiais para a solução desse antagonismo.
Com esta formação social se encerra, portanto, a pré-história, da sociedade hu­mana. (...)
Karl Marx. Londres, janeiro de 1859.
Engels sintetiza a descoberta de Marx no Prefácio à edição alemã de 1883 do Manifesto Comunista:
“O pensamento básico e fundamental do Manifesto pertence única e exclusivamente a Marx e assim se resume:
‑ em qualquer época histórica, a produção econômica e a estrutura social, que dela necessariamente decorre, constituem a chave da história política e intelectual dessa época; ‑ portanto, depois do desaparecimento do regime primitivo da propriedade comum de terra, a história tem sido a história da luta de classe, da luta entre explorados e exploradores, entre as classes dominadas e dominantes nas diversas etapas da evolução social; ‑ a tal ponto chegou essa luta que a classe oprimida e explorada ‑ o proletariado - não poderá mais libertar‑se da classe que o explora e o oprime ‑ a burguesia ‑ sem libertar e para sempre, da exploração, da opressão e das lutas de classes, toda a sociedade.
Esta declaração já a fiz inúmeras vezes, mas, agora mais do que nunca, faço questão de tornar isto bem claro no frontispício do Manifesto. Londres, 28 de Junho de 1883. Friedrich Engels
Deveríamos deixar de sermos cegos perante os fatos da realidade, mas a nossa opção de classe não nos permite enxergar a realidade, pois optamos em nos alinhar com a classe capitalista (mesmo não sendo capitalistas, mas pertencentes à classe trabalhadora) e por isso negamos os próprios fatos da realidade. O que, no entanto, nos incomoda é a opção de Deus; ele optou no Êxodo pela classe camponesa escrava e não pelo Faraó. Na luta de classes entre o Estado e a classe camponesa Deus optou pela classe camponesa, por ser oprimida. Isto já nos deveria dizer muito. Também na Páscoa Deus optou em confrontar uma ação política do estado romano, em crucificar Jesus, quando ele o ressuscitou dos mortos. Deus anulou e contrapôs esta ação política do estado romano com a ressurreição de Jesus. Assim como Deus interveio no estado egípcio, no Êxodo, ele interveio no estado romano, na Páscoa. Sempre em favor dos massacrados e oprimidos pela classe dominante. Isto está escrito lá na Bíblia, não é invenção minha. É só uma questão de saber ler o que lá está escrito.
Este processo do modo de produção capitalista que já existe há 500 anos tem que ser transformado/eliminado pela Palavra de Deus por ser essencialmente oposto ao que ela (a Palavra de Deus) propõe. Nós, pessoas batizadas, somos os instrumentos que Deus usa para, a partir da Palavra de Deus, transformar e eliminar este sistema econômico capitalista para, a partir da fé em Jesus Cristo, participar da construção de uma nova sociedade baseada no Projeto de Deus descrito na Bíblia e que Jesus chamou de Reino de Deus. Assim como Deus tirou os escravos do Egito para, nas montanhas da Palestina, construir uma nova sociedade assim Deus quer nos tirar do sistema capitalista para nos levar a construir uma nova sociedade hoje em dia. Paulo diz em Rm 12.2: “E não vos conformeis com este século, mas transformai-vos pela renovação da vossa mente, para que experimenteis qual seja a boa, agradável e perfeita vontade de Deus”.
A Igreja não se nega a usar o método de leitura da realidade de Marx porque ele era ateu, mas porque ela (a igreja) se alinha com a proposta capitalista. O nosso problema na igreja não são os ateus, e sim, os fariseus: gente falsa e dissimulada que usa palavrório santo para esconder a sua opção de classe, a favor da classe capitalista, mesmo não sendo desta classe.
Falando em ateu e herege é bom lembrar que Jesus foi condenado à morte como herege e os cristãos foram perseguidos e condenados à morte porque eram considerados ateus e pagãos pelos romanos por não seguir os deuses romanos.
A Bíblia diz que Deus usou o rei persa Ciro como seu instrumento pra libertar o povo de Israel da escravidão da Babilônia. Porque Deus não usaria dois ateus para ensinar ao povo de Deus de hoje a ter um instrumento para ler a realidade, que é a leitura marxista da realidade baseada na leitura do modo de produção. Os dois se tornaram ateus porque a igreja da época era atéia, ou melhor, era idólatra: adorava o deus capital. Assim ainda hoje a igreja aceita como membros dela pessoas como Bush, pai, responsável pela morte de 120 mil iraquianos em 1992, ou Bush, filho, responsável pela morte de 100 mil iraquianos na última Guerra do Golfo, ou Pinochet responsável pela morte de 5 mil após o golpe de 1973 no Chile, ou ditadores como Massera, Videla e Galtieri responsáveis pelo assassinato de 30 mil argentinos, além de todo o resto dos ditadores da história que eram considerados “cristãos”. Mas a igreja não aceita comunistas, como Marx e Engels, que apenas se indignaram com a injustiça, a exploração e a opressão da classe trabalhadora e sonharam com uma nova sociedade que eles chamaram de sociedade comunista. Jesus chamou a nova sociedade de Reino de Deus. As duas não são iguais, mas o sonho por paz, justiça e igualdade é igual. Até hoje não apareceu ninguém que explicasse a nossa realidade melhor do que estes dois. Por isso é importante nos apropriarmos de seu método de leitura da realidade que também ajuda numa melhor compreensão dos textos bíblicos.
Quais as características da nova sociedade proposta pela Bíblia e o que há de semelhante com a luta pelo sonho de uma sociedade comunista?
Is 65 - não haverá lembrança das coisas passadas; nunca mais se ouvirá nela nem voz de choro nem de clamor; não haverá mais nela criança para viver poucos dias; morrer aos cem anos será morrer moço; eles edificarão casas e nelas habitarão; plantarão vinhas e comerão o seu fruto; não edificarão para que outros habitem; não plantarão para que outros comam; não trabalharão debalde; seus filhos não acabarão na desgraça.
II Pe 3.13 - Nós, porém, segundo a sua promessa, esperamos novos céus e nova terra, nos quais habita justiça.
Nm 27.1-11 - todos e todas têm voz na assembléia popular, todos e todas participam da vida política, todos e todas tem acesso à terra.
Lv 25 - cuidado com a terra para não perder a fertilidade; v.6: Mas os frutos da terra em descanso vos serão por alimento, a ti, e ao teu servo, e à tua serva, e ao teu jornaleiro, e ao estrangeiro que peregrina contigo (ainda está embutida nesta realidade a escravidão negada por Deus); Nesse ano todos os que tiverem sido vendidos como escravos voltarão livres para as suas famílias, e todos os campos que tiverem sido vendidos voltarão a pertencer ao primeiro dono. Não oprimais ao vosso próximo; Também a terra não se venderá em perpetuidade, porque a terra é minha; pois vós sois para mim estrangeiros e peregrinos. Se teu irmão empobrecer e vender alguma parte das suas possessões, então, virá o seu resgatador, seu parente, e resgatará o que seu irmão vendeu. Se teu irmão empobrecer, e as suas forças decaírem, então, sustentá-lo-ás. Como estrangeiro e peregrino ele viverá contigo. Não lhe darás teu dinheiro com juros, nem lhe darás o teu mantimento por causa de lucro. Também se teu irmão empobrecer, estando ele contigo, e vender-se a ti, não o farás servir como escravo. Como jornaleiro e peregrino estará contigo; até ao Ano do Jubileu te servirá; Porque são meus servos, que tirei da terra do Egito; não serão vendidos como escravos. Deverá haver resgate para quem se tornar escravo.
Mc 7.24-30 - mulher estrangeira muda o conceito de Jesus sobre reino de Deus - abertura para mudar a prática e os conceitos por causa da realidade.
Tg 5 - Eis que o salário dos trabalhadores que ceifaram os vossos campos e que por vós foi retido com fraude está clamando; As vossas riquezas estão corruptas, e as vossas roupagens, comidas de traça; tendes condenado e matado o justo, sem que ele vos faça resistência.
Lc 4.18-19 - O Espírito do Senhor está sobre mim, pelo que me ungiu para evangelizar os pobres; enviou-me para proclamar libertação aos cativos e restauração da vista aos cegos, para pôr em liberdade os oprimidos, e apregoar o ano aceitável do Senhor.
At 2 e 4 - Todos os que creram estavam juntos e tinham tudo em comum. Vendiam as suas propriedades e bens, distribuindo o produto entre todos, à medida que alguém tinha necessidade. Ninguém considerava exclusivamente sua nem uma das coisas que possuía; tudo, porém, lhes era comum; nenhum necessitado havia entre eles, porquanto os que possuíam terras ou casas, vendendo-as, traziam os valores correspondentes; 2.42: E perseveravam na doutrina dos apóstolos (não na doutrina do sistema escravista romano) e na comunhão (não na concorrência e na exploração de uma classe sobre a outra), no partir do pão (não no acúmulo do lucro conseguido à custa da classe trabalhadora) e nas orações (não na ideologia da classe dominante).
Estas são algumas características apontadas pela Escritura sobre a nova sociedade que denuncia a realidade atual.
A Bíblia aponta sempre para a construção de uma nova sociedade, chamada por Jesus de reino de Deus – reinado de Deus. Marx nos ajuda na leitura da realidade e na crítica a este sistema como também a Bíblia critica este século (Rm 12). A Igreja não quer ver isto porque fez uma opção de classe que segundo a confissão de fé do AT em Dt 6.21-23 não é a opção de Deus e também os relatos da Páscoa apontam para a resistência contra o status quo.
A Igreja sempre se deixou usar como legitimadora do capital. Temos exemplos como o da Alemanha onde durante o regime de Hitler a Igreja Luterana se dividiu e também no Chile no período do ditador Pinochet a Igreja Luterana se dividiu; uns a favor e outros contra a dinâmica do capital. Isto aconteceu não por ingenuidade, mas por opção de um grupo da igreja que apoiava a postura da ditadura que foi implantada como uma forma de reproduzir o sistema capitalista. É claro que depois se dizia que não se tinha conhecimento das atrocidades (tanto no Chile como na Alemanha); conversa fiada. Pior foi na Argentina onde a Igreja Católica Romana é Igreja oficial, ela não falou nada contra o massacre de 30 mil mortos e desaparecidos.
No Brasil parece que as igrejas cristãs não estão enxergando toda a mobilização social que está acontecendo para enfrentar e denunciar o capital, tanto no campo como na cidade através de mobilizações, marchas e ocupações. Nos anos 80 setores das igrejas ainda participavam e apoiavam os movimentos populares, hoje isto quase inexiste. No campo o velho, arcaico e assassino latifúndio avança plantando pinus, eucalipto e soja usando agora um nome mais chique: agronegócio; o hidronegócio se alastra pelas bacias hidrográficas constituindo enormes latifúndios embaixo da água com a expulsão pura e simples dos camponeses, usando a repressão do sistema judiciário e policial para beneficiar as empresas privadas que exploram a energia em cima das terras dos camponeses expulsos. Os dois sendo financiados pelo BNDES que capta dinheiro do FAT – Fundo de Amparo ao Trabalhador, que por ironia faz o/a trabalhador/a vítima do seu próprio dinheiro arrecadado pelo estado. Na cidade o desemprego e o subemprego grassam soltos acompanhados por uma violência insana e sem rumo; esta miséria toda não está conseguindo organizar muita gente ali.
Enquanto isso nossa igreja ficou discutindo durante 10 anos a reestruturação para melhorar o poder do capital através da igreja. É claro que isto é uma conclusão insana de alguns dementes que pensam assim!, não tem nada a ver com a realidade real, pura imaginação de uma minoria solitária que é contra tudo! Por isto ser uma insanidade de alguns a direção da igreja (desde o sínodo) não se sente na obrigação de agilizar uma organização para apoiar as vítimas do sistema capitalista e muito menos participar da luta contra o capital, apesar de que o Documento Chapada dos Guimarães deixar muito claro como funciona o capital e dizer para renegar este sistema, mesmo não citando nenhuma vez o nome capitalismo neste documento (medo? de que?). Mas em nossa igreja documento é apenas papel; a Bíblia também é puro papel. Somos a igreja da palavra, isto basta. O problema é que até já estamos perdendo a palavra. Sobrou alguma coisa ainda?

Condor, 31 de março de 2006.
Günter Adolf Wolff

Nenhum comentário:

Postar um comentário